domingo, 10 de fevereiro de 2008

Quatro décadas sem o Che


Vou começar a publicar aqui algumas matérias minhas na Bolívia (antigas, claro). Acho que podem ajudar a dar uma pequena mostra do atual momento que vive o país.

Abaixo, a primeira delas, sobre os 40 anos da morte do Che, em outubro (a foto é de Daniel Cassol):


Brasil de Fato, edição 241 (de 11 a 17 de outubro de 2007)

Os 40 anos sem San Ernesto de La Higuera

Vila onde o revolucionário argentino foi assassinado é palco de atos em sua memória; para parte da população local, ele é santo

Igor Ojeda
de La Higuera e Vallegrande (Bolívia)

Em outubro, quase não chove em La Higuera, lugarejo do interior da Bolívia onde, há 40 anos, foi fuzilado o revolucionário argentino Ernesto Guevara de la Serna, o Che.
A seca, apesar de comum, é um tormento para os habitantes da vila. Eles vivem basicamente da agricultura, além da criação de gado. No entanto, sempre que uma grande quantidade de visitantes invade a região para render homenagem à memória do guerrilheiro famoso, chove.
Pelo menos é o que garante à reportagem do Brasil de Fato Victor Vallejos, que vive em La Higuera desde que nasceu, há 38 anos. Para o homem de forte traços indígenas, não há dúvida de que San Ernesto de La Higuera, como Che é cultuado por uma parte da população da região, é, de fato, um santo milagreiro. Mas não só isso. "Conhecemos o comandante Che como um herói, que veio à Bolívia procurando uma vida melhor para todos", diz.
Nas florestas do interior boliviano, Che Guevara procurou uma vida melhor para todos durante meses. Desembarcou no país, com alguns guerrilheiros, em novembro de 1966, com a idéia de deflagrar um foco revolucionário que se espalharia por toda a América do Sul. Com falta de apoio incisivo da esquerda local e dos camponeses, a guerrilha de Ñancahuazú foi debilitando-se aos poucos. Che resistiu até 8 de outubro de 1967, quando foi preso pelo Exército da Bolívia, sob a orientação da CIA, a agência estadunidense de inteligência. Foi levado a La Higuera, onde ficou retido e local onde foi fuzilado no dia seguinte.

A presença de Che

Chegar a esse minúsculo povoado, a 2.160 metros de altitude, não é tarefa fácil. Depois de pouco tempo da partida do pequeno ônibus da cidade de Santa Cruz de la Sierra, o asfalto acaba e começa uma estrada de terra que, a certa altura, torna-se uma sinuosa e estreita serra às margens de altíssimos desfiladeiros.
Depois de cerca de oito horas de viagem, chega-se a Pucará, uma pequena vila onde seus habitantes, de pé e encostados na parede do lado de fora de suas casas, observam, num misto de curiosidade e desconfiança, a chegada do ônibus que, desse ponto, segue para outra cidade.
Junto com um francês e quatro argentinos, a reportagem negocia com Román, dono de uma van "fantasiada" de ambulância ("comprei assim", explica), e segue viagem, por cerca de meia hora, por mais uma estrada de terra sinuosa e à beira de profundos precipícios profundos. No entanto, quem dirige é o filho de Román, Beisman. Ele tem 13 anos.
La Higuera é um vilarejo onde vivem apenas 27 famílias e a energia elétrica ainda não chegou. Não é incomum encontrar, em suas casas, inscrições alusivas a Che. Há somente uma rua, que dá, em frente da pracinha local, em uma estátua do revolucionário, sorrindo, vestido de militar e com a mão direita levantada, segurando um charuto.
A uns poucos metros acima, avista-se, em cima de uma pedra, um enorme busto do comandante, ladeado por uma cruz e onde lê-se abaixo: "Seu exemplo ilumina um novo amanhecer". Mais adiante, está a escola onde Che foi mantido preso e executado. Hoje, abriga um pequeno museu em sua memória.

Viajantes

É 7 de outubro. À meia-noite, ou seja, quando se completa 40 anos da captura do revolucionário argentino pelo Exército da Bolívia, está previsto um ato para celebrar a data, atividade que faz parte do II Encontro Mundial Ernesto Che Guevara, organizado pela Fundación Che Guevara.
Enquanto isso, centenas de pessoas, de todo o mundo, chegam ininterruptamente à vila, e vão ocupando os últimos lugares nos campings e pousadas improvisadas. Depois de instaladas, ou não, concentram-se nas proximidades da pracinha para aguardar o início do ato.
Um dos que esperam pacientemente é o boliviano Luis Pereira, um senhor de 78 anos que enfrentou cerca de 20 horas de ônibus para, desde a cidade de Cochabamba, chegar a La Higuera, com o objetivo de "prestar reverencia a um herói, a um idealista", diz. "Che foi exemplo para toda a humanidade, pois ele praticou o verdadeiro amor de um pelos outros", completa.
Outro senhor, dessa vez um argentino de 76 anos, também fez questão de estar em La Higuera. Para isso, viajou por três dias, desde Buenos Aires. De Che, Jacobo Perelman – o Chiche, como é conhecido –, lembra-se destas palavras: "Quando se perde o armamento, recupera-se o do inimigo. O que não se pode recuperar quando se perde, é a cabeça". Lembra-as bem porque ouviu da própria boca do comandante. "Quando a Revolução Cubana saiu vitoriosa, nós, da Federação de Jovens Comunistas (FJC), do Partido Comunista argentino, formamos um movimento de solidariedade com Cuba. Recebemos um convite para irmos a Havana, onde Che nos recebeu, por quatro horas. Escutava muito, foi muito cordial e firme", conta Chiche, que viu pessoalmente o guerrilheiro outras duas vezes.

A América acorda

Por volta da meia-noite, o ato teve início. Entre os presentes no palco, Leonardo Tamayo, o Urbano, um dos cinco sobreviventes da guerrilha da Bolívia; o filho de Roberto Peredo, o "Coco", morto em combate na mesma guerrilha; e Rogelio e Enrique Acevedo, que lutaram com Che na Sierra Maestra em Cuba.
O presidente da Fundação Che Guevara, Oswaldo Peredo, lembrou que os aniversários de morte do guerrilheiro argentino eram recordados com um sentimento de nostalgia e desolação, e as atividades eram realizadas clandestinamente. "No entanto", disse, "há dez anos, o povo decidiu que não haveria mais homenagens clandestinas. Os atos são todos públicos, com a testa erguida e o peito aberto. Agora, eles [os militares] é que estão reclusos e são obrigados a fazerem seus atos em um quartel".
Já para Urbano, o fato de muitas pessoas terem ido render homenagem ao "homem que lutou e morreu pela causa mais justa" é um sinal de que "os povos de nossa América estão acordando. Acordou a Venezuela, sob a direção de Hugo Chávez. Da mesma maneira, o fez o heróico povo da Bolívia, sob o comando de Evo Morales".
À uma e 45 da manhã, Urbano e o filho de Coco, também chamado Roberto, acenderam uma grande fogueira, simbolizando uma vigília em honra de Che Guevara.

Guevaristas

No dia 8, em Vallegrande, distante cerca de 60 km de La Higuera, o grande destaque foi a presença do presidente da Bolívia, Evo Morales. Vallegrande é a cidade para qual Che foi levado depois de morto para ser apresentado à imprensa internacional na lavanderia do hospital Nuestro Señor de Malta e também local onde acabou sendo enterrado clandestinamente.
Durante o ato central do II Encontro Mundial Che Guevara, o governo boliviano lançou dois selos comemorativos aos 40 anos da morte do guerrilheiro argentino.
Em seu discurso, feito na antiga pista do aeroporto na qual em 1997 foram encontrados os restos mortais de Che e de mais seis guerrilheiros, Morales falou do legado de Che: "Ele continuará até que se alterem os sistemas econômicos. Estou falando em acabar com o capitalismo". Disse também que a melhor homenagem que se pode prestar ao guerrilheiro é "agir com honestidade, com transparência, e manter uma posição anti-neoliberal e antiimperialista".
Evo afirmou ainda que, hoje, a luta de um bom revolucionário vai além de libertar seu povo. Deve-se recuperar os recursos naturais que lhe pertencem. Em seguida, citou as receitas do Estado que aumentaram com a nacionalização dos hidrocarbonetos.
Por fim, criticou seus oposicionistas. "Haverá muitos repúdios sobre minha presença aqui. Mas não temos o que esconder. Somos guevaristas. Somos humanistas. Somos revolucionários".
Durante o ato, o ceticismo dos que não acreditam no poder místico de San Ernesto de La Higuera foi posto à prova. Enquanto se cantava uma música em homenagem a Che Guevara, os presentes na manifestação começaram a apontar para o céu, maravilhados. Um grande arco-íris dava uma volta completa em torno do sol a pino, formando uma espécie de auréola.

3 comentários:

Anônimo disse...

e eu recebi esta matéria em casa... linda! e lindas fotos! muitos beijos!

Anônimo disse...

o Igor é pop.

Daniel disse...

o che é pop