terça-feira, 29 de abril de 2008

Rumo às terras baixas, ao calor... e ao olho do furacão

Agora, é pegar um ônibus ladeira abaixo e presenciar mais um momento decisivo para a Bolívia. Há muita expectativa por aqui em relação ao referendo autonômico de Santa Cruz, marcado para o próximo domingo.

Uns falam que podem ter enfrentamentos, outros dizem que a tendência depois da consulta será o separatismo... o fato é que as coisas podem até permanecer como estão, mas isso é bastante improvável.

Outro fato é que o estatuto autonômico é realmente uma aberração (o governo tem toda razão). Uma coisa é a demanda legítima pela autonomia e descentralização. Outra coisa é esse estatuto feito pela elite de Santa Cruz, que praticamente propõe uma espécie de separatismo mesmo.

Bem, resta aguardar os acontecimentos. Espero conseguir postar algo de lá.

Ditaduras bolivianas


Devagar e quase nunca, vou postando as matérias mais interessantes que fiz por aqui. Abaixo, uma de dezembro, quando se anunciou que o governo iria abrir os arquivos das ditaduras bolivianas.

Mas, pelo jeito, até agora nada...

Brasil de Fato, edição 249 (de 6 a 12 de dezembro de 2007)

Bolívia decide abrir caixa-preta
de um passado sangrento do país

Governo de Evo Morales decretará abertura dos arquivos dos regimes militares que causaram mortes e desaparecimentos entre 1964 e 1982

Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)

Cristina Moreira Ramírez era ainda muito pequena quando seu pai, Roberto Moreira, sofreu as mais diversas torturas físicas e psicológicas durante a ditadura de Hugo Bánzer, um dos vários regimes militares pela qual passou a Bolívia entre 1964 e 1982.
Ela não lembra de nada, mas conta, com detalhes, o que aconteceu. “Em 1972, meu pai foi preso e sofreu os mais terríveis mal-tratos que um homem pode sofrer”. Cristina relata que, muito torturado, Roberto, militante do Exército de Libertação Nacional, resistiu por muito tempo, “mas chegou um momento que não pôde mais e perdeu a razão”.
A partir de então, o pai de Cristina começou a ser levado a todas as prisões e campos de concentração, para que os demais presos políticos vissem o que os esperava se não cooperassem com o regime e não delatassem seus companheiros.
“Meu pai, em muitas ocasiões, tentou tirar sua própria vida”, conta Cristina. Roberto chegou a ser internado num manicômio em Sucre, no centro-sul da Bolívia. Recuperado, foi exilado no México. No entanto, os distúrbios psicológicos voltaram e ele foi levado a um hospital psiquiátrico.
“O diagnóstico foi um quadro de lesões mentais incuráveis que impressionou os médicos conhecedores de sua tragédia, que era um testemunho patético da selvageria que os militares bolivianos praticavam, degradados à condição de torturadores a soldo do imperialismo”, relata Cristina. Depois de muitas recaídas, cada vez mais graves, Roberto morre em 31 de dezembro de 1973.

Esclarecimento e justiça

Mais de 30 anos depois, Cristina trabalha cotidianamente para pedir justiça e esclarecimento sobre os crimes cometidos contra seu pai. Tal busca pode ser finalmente recompensada a partir do dia 10, dia internacional dos direitos humanos, quando o governo boliviano deverá emitir um decreto supremo através do qual serão abertos os arquivos das ditaduras militares que deixaram centenas de mortos e desaparecidos desde 1964.
“Mais que tudo, os que os familiares de vítimas querem é que se aplique todo o rigor da lei aos que participaram desses atos impunes, e que isso seja um ressarcimento moral”, explica Cristina. Até hoje, poucos responsáveis pelos crimes cometidos durantes os regimes militares foram julgados ou processados. As exceções são o ex-ditador Luis García Meza (1980-1981) e seu ex-ministro do Interior, Luis Arce Gómez.
Ambos foram julgados pela Corte Suprema boliviana e sentenciados a 30 anos de prisão, sem direito a indulto, em abril de 1993.
Meza foi capturado em 1994, no Brasil, e cumpre sua pena. Já Gómez acabou de cumprir uma sentença nos EUA por narcotráfico e espera-se que seja extraditado para a Bolívia.
Loyola Guzmán, ativista da Associação de Familiares de Detidos, Desaparecidos e Mártires Pela Liberação Nacional (ASOFAMD) e hoje deputada constituinte pelo Movimiento Al Socialismo (MAS), diz que já está comprovado que as Forças Armadas da Bolívia, sobretudo o exército, concentrou documentação sobre a repressão.
“Porque eles foram os que, apoiados por, ou apoiando os civis, comandaram as ditaduras. Então, eles têm informação sobre todos os casos. E deveriam pôr-los à disposição para esclarecê-los”, explica a ativista, segundo a qual até hoje só foi possível averiguar o paradeiro de 14 militantes desaparecidos da ditadura de Hugo Bánzer (1971-1978) e um da ditadura de Luis García Meza.

Inimigo interno

De acordo com Loyola, como na Bolívia não existe nenhuma legislação que diga que certos documentos que atentem contra a integridade territorial ou a soberania do país devem ser abertos depois de um determinado número de anos, os militares utilizam esse argumento para censurar as informações.
Loyola Guzmán espera, com a abertura dos arquivos, obter esclarecimentos sobre o desaparecimento de seu companheiro, Félix Melgar Antelo, também do Exército de Libertação Nacional e detido em abril de 1972. “Disseram que o levaram ferido, mas nunca nos entregaram seus restos”, conta a ativista, ela própria prisioneira do regime de Hugo Bánzer, entre 1972 e 1974, e depois em 1975.
Tanto a ditadura que causou o desaparecimento de seu companheiro, como as demais, obedeceram, de acordo com Loyola, à aplicação da Doutrina da Segurança Nacional, “pela qual se considerava que o comunismo já não era o inimigo externo representado pela Europa Oriental, e sim o inimigo interno de cada país. Havia que liquidá-lo, evitar que houvesse novas revoluções cubanas”.
Tal necessidade significou a eliminação física de centenas de militantes de esquerda, a destruição de partidos, sindicatos e organizações populares. Tudo com o “apoio de civis, das forças que têm poder econômico e não queriam perdê-lo”, lembra a ativista da ASOFAMD.

Plano Condor

Mas a chamada Doutrina de Segurança Nacional não foi exclusividade da Bolívia. Quase todas as ditaduras dos países vizinhos na mesma época a tiveram como base.
E, justamente por compartilharem da mesma ideologia, os regimes militares de Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia elaboraram um sistema conjunto de troca de presos políticos e de informações sobre “subversivos”. Era o chamado Plano Condor.
“Está comprovado que o golpe de Bánzer teve apoio da ditadura brasileira, firmou pactos com a paraguaia etc. Há quase 40 bolivianos desaparecidos na Argentina, uns seis no Chile”, exemplifica Loyola. Segundo ela, na Argentina, a situação de nenhum desaparecido foi esclarecida até agora.

Oposição convoca Forças Armadas a agir contra Evo

Para analistas, respaldo da base militar a Evo e novo cenário internacional reduzem a possibilidade de triunfo de um golpe

de La Paz (Bolívia)

No dia 28 de novembro, Leopoldo Fernández, governador do departamento de Pando, um dos seis que fazem oposição ao governo de Evo Morales, deu um alerta: “Este povo não vai tolerar que as Forças Armadas (...) se prestem ao servilismo de acatar ordens de gente irresponsável na condução deste país”.
Em seguida, fez um chamado para que “os comandantes das forças baseadas em Pando possam dar um exemplo a esse alto mando militar, conformado por uns covardes traidores dessa pátria, e digam a eles qual é o papel que devem jogar as Forças Armadas”.
Poucos dias depois, foi a vez de outro governador opositor, o do departamento de Cochabamba, Manfred Reyes Villa. “As Forças Armadas, que sempre foram as guardiãs da democracia, têm que seguir sendo as guardiãs da soberania de nosso país e evitar a submissão do alto mando”, convocou.

Novo golpe?

Tais declarações comprovaram que os fantasmas das diversas ditaduras protagonizadas pelos militares entre 1964 e1982 estão muito longe de desaparecer. Num contexto de polarização acentuada que hoje vive a Bolívia, um novo golpe, embora ainda considerada improvável, não é descartada pela esquerda do país.
“Existem fissuras dentro das Forças Armadas. Há, pelo menos, diferenças de critério. É uma situação delicada, principalmente porque os setores da direita têm conexões com elas”, preocupa-se o sociólogo Eduardo Paz Rada.
Ele explica que durante décadas, a influência da embaixada dos EUA nesse setor é muito grande. No período, ajudou com armas e dinheiro, controlou as forças anti-drogas e criou seu aparato de inteligência.
Ainda de acordo com Rada, o governo de Evo Morales tem tentado reverter tal lógica e criar uma inteligência mais autônoma. “Mas isso ainda não foi desmontado totalmente. Ainda existe uma parte que sofre muito fortemente uma influência estadunidense, e, por outro lado, uma parte nacionalista que apóia o Evo”, analisa.

Respaldo a Evo

Loyola Guzmán, ativista da Associação de Familiares de Detidos, Desaparecidos e Mártires Pela Liberação Nacional (ASOFAMD), lembra que há um esforço hoje de vincular as Forças Armadas com a questão dos direitos humanos, mas pondera que “ainda é pouco tempo para dizer que são Forças Armadas a serviço do povo. Eu, pessoalmente, não confiaria muito nisso”.
No entanto, ela se mostra incrédula em relação à possibilidade real de um novo golpe depois de 25 anos de governos civis e eleitos. Na opinião da ativista, as condições internacionais, no século XXI, são outras. “Aparentemente, descartou-se as ditaduras como uma forma de impor políticas econômicas e sociais desfavoráveis à maioria”, analisa Loyola, que cita também o ambiente favorável de governos progressistas nos países vizinhos como um freio a qualquer intento golpista.
Já Eduardo Paz Rada, embora não descarte uma tentativa de golpe fomentada pelo oriente boliviano, bastião da oposição, acredita que no momento não há condições para que se obtenha sucesso nesse sentido.
Segundo ele, a cúpula das Forças Armadas, formada por representantes dos setores médios e acomodados, não pode atuar numa linha anti-governo, pois não obterá resposta da base. “A sub-oficialidade e os soldados rasos são de origem popular. E essa base é totalmente de respaldo a Evo”, afirma. (IO)

Os 18 anos de terror

1964: em novembro, René Barrientos e Alfredo Ovando Candía assumem como co-presidentes após um golpe de Estado.

1966: em eleições contestadas, René Barrientos é eleito presidente. Promulga uma nova Constituição, vigente até hoje.

1967: exército boliviano aniquila, com o apoio da CIA, a guerrilla de Che Guevara. Em 8 de outubro, revolucionário argentino é executado.

1969: em 27 de abril, Barrientos morre em um acidente de helicóptero. Seu vice, Luis Adolfo Siles, assume, mas é derrubado cinco meses depois em um golpe conduzido por Alfredo Ovando Candía.

1969-1970: Candía adota medidas como a abolição da lei de Segurança de Estado, a autorização para a reorganização sindical etc. Guerrilha guevarista de Teoponte é aniquilada pelo exército.

1970: em outubro, novo golpe militar derruba Candía. Poucos dias depois, um contragolpe militar de tendência esquerdista é levado a cabo, levando ao poder Juan José Torres.

1970-1971: o novo presidente, apoiado por organizações sociais, passa a adotar medidas populares, como nacionalização de empresas, reposição salarial aos mineiros, aumento do orçamento das universidades etc.

1971: em agosto, um golpe de Estado leva Hugo Bánzer ao poder. Juan José Torres seria assassinado em 1976, na Argentina, no marco do Plano Condor.

1971-1978: o governo de Bánzer torna ilegais os partidos políticos, suspende os direitos civis e envia tropas aos centros mineiros. Recebe apoio direto do Chile de Augusto Pinochet e dos EUA.

1978: Bánzer é derrotado por uma junta militar liderada por Juan Pereda Asbún. Em novembro, David Padilla, do setor nacionalista-popular do exército, derrota Asbún e no ano seguinte convoca eleições.

1979: o socialista Hernán Siles Suazo é eleito presidente. No entanto, como não obteve 50% dos votos, o Congresso, como previa a Constituição, designou de forma temporária Walter Guevara Arce para a presidência, até as eleições do ano seguinte. Em novembro, Alberto Natusch Busch assume o poder em outro golpe de Estado. A reação de organizações populares foi seguida de uma violenta repressão. Duas semanas depois, Busch devolve o poder ao Congresso, que elege interinamente Lídia Gueiler como presidente.

1980: em junho, Hernán Siles Suazo é eleito presidente mais uma vez. No mês seguinte, um novo golpe, liderado por Luis García Meza e com o apoio da ditadura argentina e da CIA, derruba Lídia Gueiler e impede a posse de Suazo.

1980-1981: o governo de Meza, ligado ao marcotráfico, resulta em centenas de mortos e desaparecidos. A exportação de cocaína dispara. Em agosto, Meza renuncia, dando lugar a Celso Torrelio Villa.

1982: em julho, um novo golpe leva Guido Vildoso Calderón à presidência, com a intenção de promover a transição à democracia. Uma greve de operários faz com que a ditadura devolva o poder ao Congresso, que decide validar as eleições de 1980, designando Hernán Siles Suazo como presidente.

Números das ditaduras na Bolívia*

René Barrientos (1964-1969):

5 desaparecidos

Alfredo Ovando Candía (1969-1970):

60 desaparecidos (todos da guerrilha guevarista de Teoponte (1970)

Hugo Bánzer (1971-1978):

85 mortos

77 desaparecidos

6 mortos e 35 desaparecidos na Argentina (Plano Condor)

8 mortos e desaparecidos no Chile (Plano Condor)

Alberto Natusch Busch (1979):

77 mortos

Luis García Meza (1980-1981):

94 mortos

26 desaparecidos

Total: 239 mortos e 168 desaparecidos

*Fonte: Associação de Familiares de Detidos, Desaparecidos e Mártires Pela Liberação Nacional (ASOFAMD)

domingo, 27 de abril de 2008

Atlântida era aqui?

É o que está dizendo um engenheiro boliviano, segundo a matéria de um dos jornais locais.

O tal cidadão, chamado David Antelo, diz que encontrou mais de cem coincidências entre a Acrópoles de Atlântida, descrita por Platão, e uma região localizada no Beni, na Amazônia boliviana, perto da fronteira com o Brasil (ele dá até as coordenadas do local).

Para ele, existem indícios da cultura dessa civilização em grande parte da Bolívia. A Atlântida, inclusive, teria englobado uma boa porção da América do Sul, há mais de 11.500 anos.

Ou seja, foram os “atlântidos” que descobriram e colonizaram a Europa, além da África e da Ásia. Para o engenheiro, Platão soube da história de Atlântida através de outros sábios gregos que haviam visitado os egípcios, os primeiros colonizados.

Que coisa mais doida...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A herança racista e oligarca da elite de Santa Cruz

Sobre o livro que comentei em um post abaixo, saiu a entrevista com dois dos autores no site do Brasil de Fato. Está longa, mais vale a pena ler.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A mesma lua


Foi por pouco tempo. Eu estava deitado, me preparando pra dormir, e ela lá, cheia, iluminada. Uma parte do teto do meu quarto é de vidro, mas foi a primeira vez que a vi por ali. Talvez pela posição dos astros e a inclinação da Terra nessa época do ano, sei lá... o fato é que nunca tinha aparecido antes.

Olhando pra lua por poucos minutos, já que ela se foi logo depois (ou melhor, nosso planeta que seguiu com seu teimoso movimento de rotação), de repente meu deu um estalo: essa lua é a mesma do Brasil. É a mesma que algum conterrâneo deve estar admirando nesse exato momento, a milhares de quilômetros daqui (morar em La Paz torna dupla a distância: na horizontal e na vertical).

Claro que eu sei que só temos uma lua. Mas tive que vir pra cá pra me dar conta, realmente, disso.

Com os olhos nela, imaginei o quão sensacional seria se, no Brasil, uma das muitas pessoas que amo e que sinto falta – uma que fosse – estivesse olhando para a lua ao mesmo tempo que eu. Distantes, mas muito próximos. Conectados por uma visão em comum.

Adormeci sorrindo.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Pra matar a saudade

Nada como almoçar ao som do glorioso pagode "Mal Acostumado", do não menos glorioso Araketu.

Só que em espanhol.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Mujeres

A mulher boliviana talvez seja a melhor representação da pobreza e miséria que se vive no país. Certamente o que mais chama a atenção de quem vem para cá é a figura da chola. A indígena com longas tranças, a pollera (uma saia grande), o xale, o chapéu-coco e o aguayo, um pano colorido que elas levam nas costas, com todo tipo de coisa dentro. Não raro, bebês.

Pois é nos rostos delas que vemos o trabalho árduo de todos os dias, passando horas e mais horas tomando conta de uma barraquinha de rua, sob sol ou chuva. Sabe-se lá que horas acordam e quando podem dormir. Quanto tempo levam para chegar, quanto para voltar. Quantos quilômetros caminham diariamente... E são de todas as idades. Todas com peles machucadas pelo frio, pelo sol, pelo clima seco... Muitas, maltratadas pelos maridos.

Ontem fui ver um filme com a Sue, uma amiga brasileira que está fazendo um trabalho aqui na Bolívia, chamado Mamá no me lo dijo. É uma espécie de documentário, pontuado com algumas encenações. Fala do extremo machismo na sociedade boliviana e os maus-tratos cometidos contra as mulheres.

A diretora o divide em três partes: a índia, a puta e a monja. Na primeira, as cholas nas ruas são entrevistadas sobre o que pensam dos homens. As respostas não são nada elogiosas.

A segunda parte trata do preconceito contra as prostitutas, enquanto o que prostituem saem ilesos de críticas. Já a terceira fala do machismo dentro da Igreja católica, através de uma encenação, no centro de La Paz, de uma missa celebrada por uma mulher. O crucifixo traz de um lado, o Cristo homem. Do outro, um Cristo mulher, o que causa indignação em muitos dos transeuntes (inclusive mulheres).

Enfim, muito bom. O triste é entrar na sala de cinema e ver que, além de nós, só mais duas pessoas estavam lá para ver o filme.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Os barões do oriente

Não poderia existir melhor expressão para caracterizar a oligarquia de Santa Cruz do que “barões do oriente”. Saiu na semana passada um livro muito bom sobre a elite cruceña, chamado, justamente, “Barones del Oriente”. Mas seus autores (já os entrevistei, deve ser publicado nos próximos dias) não escolheram o nome como uma forma de azucrinar o pessoal de lá. Ao contrário, a opção foi feita sobre bases históricas, políticas, econômicas e sociológicas.

É muito simples. Eles afirmam que o processo de constituição dessa elite é muito semelhante ao dos chamados “barões do estanho”, a oligarquia mineradora, baseada no ocidente, que controlou o país por quase todo o século XX.

A lógica é a mesma. Um modelo econômico extrativista (estanho no ocidente e borracha no oriente) e exclusivamente voltado ao mercado externo, gerando profundas desigualdades sociais. Ou seja, uma burguesia anti-nacional (qualquer semelhança com o agronegócio brasileiro não é mera coincidência).

O livro estuda a formação histórica da elite de Santa Cruz para analisar suas características atuais. E conclui que a lógica segue sendo a mesma (com a diferença que agora o ciclo é o da soja). E o que eles mais querem é manter esse poder gerado pelo modelo econômico.

Mas não desejam tomar o poder nacional. Seu objetivo central não é o Estado boliviano (mesmo porque não possuem apelo nacional). O que eles querem mesmo é criar um novo Estado dentro (ou fora) do boliviano. Ou seja, separatismo.

O estatuto autonômico de Santa Cruz, que deve ser aprovado em 4 de maio, é mostra evidente disso. Por ele, o controle sobre, por exemplo, a terra e os recursos naturais (em qualquer país do mundo, de competência do governo federal) será exercido pela região. Isso não é autonomia, é separatismo. Quer melhor forma para garantir intactos os latifúndios e a concentração de riquezas?

E, para manter toda uma população coesa em torno da luta autonômica, a oligarquia maneja muito bem o discurso regionalista e racista. Um dos capítulos do livro analisa esse discurso. Desde há muito tempo, o povo cruceño é bombardeado com a idéia de que o oriente majoritariamente mestiço sempre é prejudicado pelo ocidente indígena.

Conclusão: a luta não é de classe, e sim regional e étnica. Santa Cruz contra La Paz, mestiços contra indígenas. O que serve direitinho para encobrir as gritantes desigualdades sociais na região.

E o racismo é tão latente que o estatuto autonômico só reconhece os direitos (bem de leve, claro) dos cinco povos indígenas oriundos da região. Só que 40% da população indígena de Santa Cruz é formada por imigrantes que vieram do ocidente. Então, não haverá outro remédio que excluí-los, renegá-los, expulsá-los.

Um assunto atualmente em pauta por aqui também ajuda muito bem a expor o perfil da oligarquia cruceña. Há duas semanas que um grupo de fazendeiros de uma região de Santa Cruz simplesmente impede, à força, que o governo faça a vistoria de suas propriedades, para saber se cumprem ou não a função econômica e social.

A terra é o grande calcanhar de Aquiles da elite cruceña. Tanto que o governador, Rubén Costas, é criador de gado, e Branko Marinkovic, presidente do comitê cívico, é produtor de soja. E são os dois principais líderes da luta pela autonomia.

Além disso, cerca de mil famílias guaranis trabalham nessas fazendas em condições análogas à escravidão (o que mostra outra característica da elite local: a prática de um capitalismo colonial). As vistorias nessas terras que estão sendo impedidas pelos latifundiários têm como objetivo justamente sua distribuição para os camponeses guaranis.

Mas o duro mesmo é ler nos jornais a declaração do principal nome da Igreja Católica por aqui. O cidadão tem a cara-de-pau de dizer que o governo estava enganando o povo ao afirmar que em Santa Cruz há escravidão. Sendo que há inúmeros estudos, investigações e testemunhos que comprovam tal realidade. Bem, o que esperar da Igreja mesmo...

Quem tiver interesse no livro, pode baixá-lo neste site.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Desvarios do estado pré-sono

“Que saco. Esse cara não vai parar de falar no telefone não? Não dá pra dormir assim. Puta que o pariu, essas paredes são muito finas. Dá pra escutar tudo. Deve ter mudado ontem, fazia tempo que eu não ouvia nada. Ainda bem que ele tá sozinho e não veio com a mulher, senão ia ser foda. Pelo sotaque, deve ser dos EUA. Olha que ridículo ele falando... Pára de falar pelo nariz, meu! Tô com preconceito de quem fala inglês, ainda mais quem fala inglês e vem prum país pobre. Pffff, a culpa é toda deles. Tá falando com uma mulher, dá pra escutar bem. Tá no viva-voz, será? Ah, deve ser Skype. Deve estar sem o fone. Filho-da-puta, não desliga. E tinha que ser americano? Deve estar xavecando a mulher. Todo, todo no telefone. Ou é a mulher dele? Putz, se for, ele vai falar no telefone todas as noites. Vai ser sempre um parto pra dormir. O que será que ele tá falando? Vou prestar atenção. Ah, mas aí é que eu não durmo mesmo. Não vou ouvir não. Vou tentar dormir. Boa, desse lado ficou melhor. Será se vai ser legal a entrevista amanhã com a mulher do livro? Queria ler mais do livro. Vou acordar cedo amanhã e ler. Cacete, o cara não pára de falar? Ah, vou ouvir. Nooossaaaa, magina se eu escuto uma mega conspiração contra o Evo? E se o cara for da CIA e veio pra cá tentar derrubar o governo? Veio como quem não quer nada, alugou o apartamento do seu Luiz, e vai ficar conspirando. Ele nem deve saber que dá pra escutar aqui, tô quietinho, não faço barulho. Putz, esse sino da Igreja a esta hora é insuportável. Padre mais louco! Vixe, já pensou se eu ouço ele falar pra mulher que tá tudo certo, que o plano pra dar o golpe no presidente vai caminhando bem, que logo logo o governo cai? Cacildis, o que eu faria? Nossa, ia ter que avisar o governo. Já sei! Avisaria o Alfredo Rada, já entrevistei ele mesmo. Ligaria pro assessor dele e diria que tenho uma denúncia gravíssima pra fazer. Ai, não viaja, um agente da CIA não iria falar essas coisas por telefone. E por Skype, será se ele falaria? Acho que também eu teria que perguntar pro seu Luiz quem é ele, de onde ele veio... Ih, mas tô pensando nisso tudo e nem tô escutando o que o cara tá falando. Vou ouvir. Não posso esquecer de comprar pilha pro gravador amanhã. Nooossaaaa, se eu ouvisse que o cara tá conspirando mesmo e denunciasse, eu poderia escrever uma matéria em primeira pessoa. Será que as perguntas que eu pensei pra mulher do livro tão boas? Ia ficar bem bacana a matéria. Haha, agora eu quero mesmo que o cara seja da CIA e esteja conspirando contra o Evo? Ai, esse lado já deu. Vou virar. Ah, mas um cara da CIA não falaria essas coisas por telefone. Só se fosse em código. Cacete, dá vontade de ir lá xingar o padre que toca a porra do sino. Como seria o código? Olha, o condor tá com mal de altura e já não voará. Hahaha. Ai, Igor, deixa disso e vê se dorme. Vou parar de mascar folha de coca. Mas e se eu não tiver viajando? Então, se eu ouvir algo... pilha pro gravador. Acordar umas oito. As perguntas do livro... padre desgraçado... Domingo que vem... dia 23 ou dia 30? Avião não tão caro... Pilha pro gravjkjdkeuehrrjhs. ...........”

quinta-feira, 10 de abril de 2008

10 de abril: seis meses de La Paz...



… das cholas com seus bebês levados nas costas, dos morros (ou montanhas?) completamente tomados ao seu redor, das manifestações de rua quase diárias. La Paz das crianças com as bochechas queimadas pelo frio, do sol forte, da presença eterna do Illimani nevado, das vans que te levam para todos os lugares.

La Paz da nação e da língua aymara, dos meninos engraxates que cobrem seus rostos por vergonha dos colegas de escola, dos pedintes com cara de enorme sofrimento. Dos carros tirando fina um dos outros no trânsito caótico, da buzina incessante, das infinitas barraquinhas de rua, dos cachorros com e sem dono, das pichações políticas nos muros.

La Paz da aventura cotidiana em atravessar a rua, do sobe-e-desce de suas ladeiras, das lindas praças. Das pessoas na praça, brincando, lendo, conversando, manifestando, namorando. Esperando. Do sorvete de canela, da fila interminável no Bits & Cream, da salteña de frango, do brownie com sorvete do La Terraza, da cerveja morna.

La Paz do Bolívar e do The Strongest, do estádio Hernando Siles, do futebol na altura. Do Huyustus, um dos maiores mercados de rua do mundo, da salchipapa, da cerveja Paceña (e da Huari). Da feira de miniaturas, dos casacos de alpaca a 80 bolivianos, da Calle de las Brujas, do Gota de Agua, do Ojo de Agua.

La Paz da Festa das Ñatitas, da colorida (e sagrada) whipala, da fé católica, mas também andina. Da total ausência de McDonald’s, bicicletas e pontualidade. Do passeio noturno no El Prado, da ida à cinemateca, do jantar no Calicanto. Da Calle Jaén, da Plaza Murillo, da vista da Puente de las Américas, do Mirador Killi-Killi e do Montículo. Da sopa que antecede e da gelatina que sucede qualquer almoço.

La Paz dos turistas, dos gringos moradores, da ligação ao Brasil a 60 centavos de boliviano por minuto. Dos ótimos CD’s e DVD’s piratas, das pessoas chegando no cinema meia hora depois do filme começar. Dos “buenos días”, “buenas tardes” e “buenas noches” cada vez que alguém sobe numa van, e do “provecho” cada vez que alguém entra ou sai de um restaurante.

La Paz do sorojchi, da falta de oxigênio, do clima seco, do “calor” e do frio no mesmo dia. Da folha de coca, do mercado da coca, da vizinha El Alto, do praticamente vizinho Titicaca. Dos desfiles de bandas para comemorar qualquer coisa, das vendedoras de milho para as pessoas jogarem às pombas que inundam a Plaza Murillo. Da cerveja verde do Green Bar, do Chapare Libre do Ja Ron Café.

La Paz do sotaque “choroso”, do apthapi, a comida compartilhada, do apoio quase unânime ao Evo. De Sopocachi, Tembladerani, Villa Fátima, San Pedro, Miraflores, Villa San Antonio, Obrajes, Calacoto e Achumani. Da relativa segurança nas ruas, das distâncias pequenas, das festas nas casas. Da carne de lhama, do Pique a lo Macho, do churrasquinho no Honguito.

La Paz da perfeita acolhida a um jovem jornalista militante.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Socialistas, nós?

É engraçado. As propagandas a favor do “Sim” à nova Constituição que vi até agora na TV são para refutar “acusações” da direita.

Sempre em forma de historinha, com duas pessoas conversando, uma delas diz que, ao contrário do que fala a oposição, o novo texto garante a propriedade privada. Outra das propagandas reafirma que a educação privada também será respeitada.

Ou seja, a direita acusa o governo Evo de "comunista", "socialista" etc. Este, por sua vez, quer deixar claro que não pode ser definido por nenhum desses palavrões.

Pelo menos não na prática. Pelo menos não ainda.

terça-feira, 8 de abril de 2008

A vitória que virou empate (algumas horas depois do jogo terminar)

Pai e filho, domingão no Hernando Siles, o estádio a 3600 metros acima do nível do mar. Chegam uns 10 minutos atrasados, pois haviam decidido ir no jogo de última hora.

Bolívar, o time boliviano que o filho escolheu para torcer, contra o Real Potosí. Os dois mal na tabela. Primeiro tempo sofrível. Erros de passe bizonhos, bola na trave metida pelo adversário... nos últimos minutos, pênalti a favor do Bolívar. “Só assim mesmo”, comenta um torcedor indignado, sentado duas fileiras à frente.

Quase que previsível, a cobrança é perdida. O primeiro tempo acaba logo em seguida. A torcida revoltada xinga os jogadores na entrada do vestiário.

– O Bolívar não ganha faz tempo – explica o filho ao pai, que está de visita à cidade.

No segundo tempo, nada muda. A torcida vaia cada jogada errada. Até que, faltando alguns minutos, sai o gol do Bolívar. Comemoração, gritos de incentivo, mas, pouco tempo depois, o Real Potosí empata.

– Pô, ganhando o jogo e toma contra-ataque? – comenta o pai.

– Pois é, ridículo – concorda o filho.

O torcedor indignado, sentado duas fileiras à frente, levanta e vai embora.

Um tempo depois, no finzinho, outro improvável gol do Bolívar. De novo, comemoração e gritos de incentivo.

Mas o time do filho continua atacando e tomando contra-ataques.

– Que técnico burro, devia mandar o time segurar a bola! – espanta-se o pai.

– Claro! ­– exclama o filho. E, num estalo do cérebro, lança a dúvida: – Só se o Real Potosí fez um gol no comecinho e a gente não viu.

Pai e filho se olham. Com medo de apanhar, decidem não perguntar a ninguém, aos 49 minutos do segundo tempo, quanto está o jogo.

Chegam em casa com a interrogação na cabeça. “Nunca saí de um estádio de futebol sem saber exatamente quanto foi a partida”, pensa o filho, um tanto envergonhado.

Umas duas horas depois, ligam a TV. Começava, justamente, os melhores momentos.

– Ei, a gente não viu este gol! – grita o filho.

Pai e filho se olham novamente. Era o primeiro gol do Real Potosí, aos 2 minutos de jogo.

domingo, 6 de abril de 2008

Seis meses

Completo hoje meio ano de Bolívia, desde que desembarquei em Santa Cruz sem saber muito bem como raios eu faria para ir até La Higuera no dia seguinte, para cobrir as celebrações de 40 anos da morte do Che.

Foram três dias muito cansativos, incluindo as quase 10 horas de viagem num ônibus precário por desfiladeiros convidativos e uma noite bastante mal dormida no depósito/quarto de hóspedes da casa de um morador do vilarejo.

Mas valeu muito a pena estar onde estava nessa importante data. Assim como valeu muito a pena esses seis meses por aqui (espero que os próximos seis sejam igualmente recompensadores).

Meio ano se foi, e a sensação é de que o tempo passou, ao mesmo tempo, muito rápido e demorado. Rápido porque os anos estão cada vez mais curtos. Demorado pela quantidade de experiências novas vividas.

Para comemorar, a visita do pai, outra ida a Tiwanaku e outro jogo do Bolívar no estádio, dessa vez com vitória.

Não poderia ter sido melhor.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Cinco anos de resistência



Vixe, vou falar um negócio. Ser mídia alternativa no Brasil não é nada fácil. Não tem dinheiro, não tem pessoal suficiente, não tem anúncio, e ainda precisa enfrentar a força tremenda da grande mídia, controlada por algumas poucas famílias.

Esperava-se que, com o governo Lula, tal realidade mudasse um pouco. A expectativa era que algum naco dos milhões e milhões de publicidade governamental (que engordam os cofres da Globo, Folha, Estado, Veja e cia) fosse direcionado para o fortalecimento da imprensa alternativa. Ledo e ivo engano.

Em relação às TVs, acho que ninguém tinha a ilusão que o sistema de concessões ia ser democratizado. E, claro, não só não foi como se está trabalhando para se consolidar ainda mais o poder das redes existentes, como no caso da TV Digital.

Por isso tudo, um jornal como o Brasil de Fato completar 5 anos de idade é digno de muita comemoração. Então, se você mora em São Paulo, ou perto, ou estiver de passagem por lá no dia 17, dê um pulo no Tuca, no ato político-cultural do aniversário do BF. Vão estar por lá João Pedro Stédile, Plinio Arruda Sampaio, Alípio Freire, José Arbex e outros. Com certeza vai ter muito violeiro também.

Prestigie!

Santa Cruz "socialista"


Ontem, Rubén Costas, o governador de Santa Cruz, disse em um comício que, a partir de 4 de maio, quando será realizado o referendo pela autonomia do departamento, "começará uma revolução cujo eixo será uma doutrina social e produtiva, no marco de um socialismo democrático e humanista".

Diante disso, só me resta um comentário: HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

De novo: HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

Uma última vez: HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!

ps: Vejam, acima, o naipe do cidadão. Chamá-lo de "coronel", no caso, não é nenhuma metáfora.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Ainda longe de uma revolução

O governo Evo teve uma perda considerável ontem. O porta-voz da presidência, Alex Contreras, pediu demissão. Era um cara bem importante, sempre estava na mídia fazendo declarações veementes em defesa do governo e contra a oposição.

Mas o pior foi a carta que ele leu no ato de demissão. Diz que no início se deu “passos firmes e altivos” em direção a “medidas estruturais em benefício das maiorias”, mas que, ao mesmo tempo, “descuidamos de grupinhos ligados à fracassada política neoliberal e também de inimigos internos que, agora, se converteram em um obstáculo ao processo de transformações”.

Engraçado que já ouvi tais observações diversas vezes, em entrevistas ou conversas informais com políticos, dirigentes de movimentos sociais etc que fazem críticas à esquerda contra o governo Evo.

Muitos me disseram que um dos principais problemas da falta de maiores avanços no país é que justamente o Evo estaria cercado por um grupo apegado ao poder e ligado aos governos anteriores, neoliberais. Uma “burguesia burocrática”.

Convenhamos. O governo Evo não é nenhuma revolução, como alguns defendem. É inegável que, simbolicamente, um indígena na presidência é algo espetacular. As simbologias podem não ter resultados práticos imediatos, mas têm um poder de ir criando mudanças na consciência coletiva que pode servir pra gerar algo consolidado no futuro.

No caso da vitória eleitoral do Evo, acho que ela ajuda a empoderar a maioria indígena do país, a fazê-la acreditar que é possível sim influir nas decisões que a afeta. A nova Constituição, por exemplo, é inovadora no sentido do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas.

Mas não se limita a garantir o direito a, por exemplo, educação, emprego, saúde. Vai além. Garante a autonomia, o auto-governo, a justiça comunitária. Ou seja, reconhece que eles têm o direito de viver como viviam antes da invasão espanhola e do ataque a suas culturas. Esse aspecto, sim, pode ser considerado revolucionário.

No entanto, por outro lado, o novo texto ainda é liberal. Isso é reconhecido até por apoiadores do governo, como Lucila Choque, quem entrevistei sobre o assunto. Ao mesmo tempo, muitas medidas de Evo, ou a falta delas, ainda contribuem para manter o esquema Estado burguês – neoliberalismo – oligarquia latifundiária – transnacionais.

Um dos exemplos é a chamada nacionalização dos hidrocarbonetos. Para muitos, não teve nada de nacionalização, apenas um ajuste (importante, claro), nos impostos cobrados às petroleiras. Alguns dizem que, por meio de mecanismos fiscais, hoje o governo fica com muito menos do que se propaga.

Além disso, o dinheiro do gás ainda não se reverteu em fortalecimento da estatal boliviana, na industrialização do gás ou na criação de empregos. O pior é que a Bolívia segue enviando quantidades imensas do recurso à Argentina e, principalmente, ao Brasil (a pressão do Lula para tal é gigantesca). Enquanto isso, inúmeras comunidades rurais sobrevivem com energia à lenha.

O governo ainda promete tudo isso: fortalecer a estatal, industrializar o gás, garantir a soberania energética do país etc. Vamos ver se em 2008 pelo menos os primeiros passos serão dados nesse sentido.