segunda-feira, 30 de junho de 2008

Diálogos com La Paz

Brasil de Fato, edição 256 (de 24 a 30 de janeiro de 2008)

Oito bate-papos aleatórios na capital boliviana, sobre a vida e o presidente Evo Morales, que completou dois anos de governo no dia 22 de janeiro

Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)

No banco da praça, entre 55 e 60 anos

- O senhor tem horas?
- Vinte para às onze.
- Obrigado. Mora por aqui?
- Não.
- Trabalha?
- Não. Tenho uns trâmites para fazer por aqui.
- Entendi. Onde o senhor mora?
- Em El Alto.
- Legal. E o que o senhor está achando do presidente Evo Morales até agora?
- Tá mais ou menos, né?
- Mais ou menos?
- É.
- Acha que poderia estar melhor?
- Acho. Mas acredito que ainda vai melhorar.
- Que bom.
- Tem muita coisa que é difícil, porque não o deixam fazer as coisas.
- É verdade.
- Mas vai melhorar. Ele tem muito apoio na classe média e nas classes populares.
- Sim. Em El Alto ele tem bastante apoio, né?
- Ah sim, todos os alteños o apóiam.
- Uma das grandes brigas da oposição é sobre a Renda Dignidade [bolsa financiada, em parte, com recursos do gás destinados anteriormente para os governos departamentais] para os idosos, né?
- Sim, porque mexe no IDH [Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos].
- E o senhor acha que essa renda é boa?
- É sim. O presidente foi inteligente em favorecer os idosos. Não tinham feito isso antes.
- Vai melhorar a vida deles, né?
- Vai melhorar sim.

Engraxate, cerca de 15 anos

- Trabalha há muito tempo com isso?
- Uns quatro anos.
- Mas não dá para viver com o que você ganha, dá?
- Só às vezes.
- Quanto ganha por dia, mais ou menos?
- Uns 15 pesos [R$ 4, aproximadamente]
- E a vida, tá melhorando com o Evo?
- Tá sim.
- Ele tá indo bem?
- Tá indo bem sim.
- Que bom. Por que vocês cobrem o rosto?
- Por causa do cheiro do creme de engraxar.
- Ah, é por isso então?
- É sim. E por causa do frio também.
- Entendi.
(Outros engraxates sentam do lado. Eles conversam em aymara)
- Estão falando em aymara?
- Sim, estamos. Entende?
- Não entendo nada.
- Eu falo francês (Dá risada)
- Vocês aprendem aymara desde pequenos?
- Sim. Há quanto tempo está em La Paz?
- Três meses.
- E o que está achando?
- Estou gostando bastante. E vocês, são daqui?
- Claro, somos paceños de coração.
- E onde moram?
- Dormimos logo ali mesmo.

Faxineira, entre 20 e 25 anos

- Você vive por aqui?
- Sim, vivo sim.
- Legal. Uma curiosidade: o que você acha do governo Evo até agora?
- Uns dizem que vai mal. Outros, que vai bem.
- Mas e você, o que acha?
- Tá mais ou menos.
- Mas o que falta?
- Acho que falta um pouco de entendimento para ele.
- Como assim, você acha que ele não está preparado?
- Isso. Mas aos poucos ele está se preparando.
- Ah, então ainda vai melhorar.
- Sim, vai melhorar sim.
- Mas também é difícil para ele fazer algumas coisas. A oposição não o deixa trabalhar, né?
- Sim, tem isso também. Ele precisa de apoio.
- Sim. Tá dividido, mas a maioria o apóia, não?
- Sim.
- Você não acha que a situação pode melhorar com a nova Constituição?
- Sim, vai sim.
- Você a conhece?
- Um pouco só.
- Você trabalha com o quê?
- Numa micro-empresa.
- Fazendo o quê?
- Limpeza, essas coisas.
- Ah tá. Mas e a vida com o Evo, não mudou nada?
- Mudou um pouco sim.
- O que, por exemplo¿ Dinheiro?
- Sim, um pouco mais de dinheiro. Ele está fazendo alguma coisa, o que os outros presidentes não fizeram.
- O que, por exemplo?
- Por exemplo, antes havia muita gente que não sabia ler nem escrever. Agora sabe.
- Ah, que bom. Que mais?
- Também poucas pessoas não tinham documento de identidade. O Evo fez uma campanha de legalização gratuita.
- Que bom.

Vendedora de barraquinha de sanduíches de lingüiça, aproximadamente 60 anos

- A barraquinha é sua?
- Não, não. Eu só atendo.
- Ah, tá. E dá para viver com o que a senhora ganha?
- Mais ou menos. Nem sempre.
- E a vida com o Evo, melhorou?
- Está pior.
- É mesmo? Por quê?
- Antes havia dinheiro circulante, havia grana. Hoje não tem mais.
- Mas por que a senhora acha que está assim? É um governo ruim?
- Não sei, não sei. Mas está pior. Não tem trabalho, as pessoas estão indo para o exterior...
- Antes não iam?
- Não.
- Mas a senhora não acha que pode melhorar?
- Tomara. Tomara que sim.
- Mas a senhora acha que vai?
- Não sei, vamos ver. Há quanto tempo você está morando aqui?
- Três meses.
- Ah é? E gosta do Evo?
- Gosto... algumas coisas não. Por um lado, acho que a oposição o atrapalha bastante.
- Ah sim, tem isso sim. Mas vai melhorar, vai sim.

Dono de barbearia, cerca de 45 anos

- A barbearia é sua?
- Sim, é.
- Faz muito tempo?
- Sim, faz um tempinho já.
- Legal. E como está a vida com o Evo?
- Acho que as mudanças ainda vão demorar para vir.
- Por quê?
- Porque as mudanças não são feitas da noite para o dia.
- Mas o que falta?
- Acho que falta a nova Constituição Política do Estado ser aprovada.
- Com ela, acha que vêm as mudanças?
- Acho que podem vir.
- Mas o Evo até agora não fez nada?
- Fez um pouco. O que mais diz respeito aos bolivianos é emprego, trabalho.
- E até agora não se criou emprego?
- Não. Mas está começando. Por exemplo, na empresa Mutum [mineradora]. Por enquanto, só tem empregos administrativos, mas daqui a pouco vai gerar bastante emprego de mineradores, pedreiros...
- Ah, entendi.
- E tem a mineradora ao sul de Potosí, onde está sendo investido muito dinheiro.
- Então, pouco a pouco vai criando emprego...
- Sim. Os governos anteriores endividavam o país. A dívida é de dois bilhões de dólares. Mas, agora, o Banco Central tem cinco bilhões de dólares. Então, hoje existe dinheiro para pagar a dívida.
- Entendi.
- Mas há também os que não querem as mudanças.
- Os de Santa Cruz, por exemplo?
- Exato.

Universitária, entre 20 e 25 anos

- Estuda aqui?
- Estudo.
- Que curso?
- Serviço social.
- Ah, legal. E o que vocês pensam do Evo?
- Ele está fazendo o que pode... Pelo menos faz bem mais que os governos anteriores.
- Entendi. O que, por exemplo?
- Ele nacionalizou os hidrocarbonetos, recuperou os recursos que os outros presidentes tinham vendido.
- Sei. Mas falta ainda muito o que fazer, né?
- Falta.
- Mas por que há coisas que ele não pode fazer?
- Ele está tentando fazer o que pode.

Dona de carrinho de suco de laranja em Huyustus, maior mercado de rua de La Paz: entre 45 e 50 anos

- Hoje tá menos cheio do que outros dias, né?
- É sim, hoje está tranqüilo.
- A senhora trabalha há muito tempo por aqui?
- Sim, faz tempo.
- E o que vocês estão achando do Evo?
- Não está bom não. Só a agricultura, para cá não.
- Ah é?
- Estamos exportando frutas para o Brasil, para a Espanha, mas para a gente não tem.
- Entendi.
- Abacaxi, por exemplo, deste tamanho [faz o gesto com as mãos], estão exportando para o Brasil, para a Espanha. Para nós é caro.
- O Evo não está fazendo nada para a cidade?
- Não, só para os povoados.
- Só para a área rural, é isso?
- Isso. Você é de onde?
- Do Brasil.
- Ah é?
- Sim, mas estou morando aqui em La Paz.
- Tem bastante boliviano no Brasil, né?
- Tem sim. Na minha cidade, São Paulo, tem muitos.
- E o que tem para os bolivianos fazerem lá?
- A maioria trabalha na fabricação de tecidos.
- Ah, fazem roupa, né?
- Isso. É muito duro. Trabalham 12, 14 horas, quase não ganham nada. São muito explorados.
- Sei. Não tem mais nada para os bolivianos fazerem lá?
- É difícil. Às vezes trabalham como pedreiros, como comerciantes de rua também...
- Ah tá.
- E para os comerciantes de rua daqui, o Evo não fez nada?
- O prefeito que está fazendo.
- Ah é?
- Sim, está construindo mercados.
- Entendi. Sem ser isso, é difícil conseguir trabalho, né?
- É, não tem...
- Mas a senhora não acha que vai melhorar no próximo ano? Com a nova Constituição?
- É, o Evo está há só dois anos. É pouco. Vai fazer as coisas ainda. Quanto de dinheiro é preciso para ir para o Brasil?
- Hum... não sei. Bastante, porque tem o ônibus e um dinheiro para ficar lá até conseguir trabalho, né?
- É verdade.
- Mas a maioria dos bolivianos fora está na Argentina, não é mesmo?
- É sim, tem bastante.
- Eles mandam muito dinheiro para cá, né, para suas famílias?
- Mandam. É que a Argentina aceita sem exigir nada.
- Ah é?
- É. Só precisa do documento de identidade, não precisa de passaporte.
- Ah tá.
- Antes pediam passaporte, agora não mais.

Engraxate, 13 anos

- Quer que lustre?
- Não, obrigado.
- Lendo jornal?
- Sim.
- O que está acontecendo hoje?
- Nada demais. Pouca novidade.
- Chovendo muito, né?
- Sim, mas pelo menos agora parou.
- É.
- Vai e volta.
- De que país você é?
- Brasil, mas moro aqui.
- Ah tá.
- Eu gosto bastante da Bolívia.
- É linda, não?
- É sim. Você também gosta?
- Gosto sim. O Brasil é maior que a Bolívia, né?
- Sim, bem maior.
- A Bolívia perdeu muito.
- Terras?
- É, territórios.
- É verdade, perdeu para vários países, né?
- É.
- Você mora por aqui?
- Sim, moro. E você?
- Em Sopocachi.
- Ah, para cima.
- É. (Bocejo)
- Tá com sono?
- Estou sim. Você não?
- Não, eu tenho é fome.
- É?
- Você não quer ser o padrinho de um refrigerante? É que ainda não almocei. [Era por volta das 17h30]
- (Pego 10 bolivianos, cerca de R$ 3) Aqui está.
- Muito obrigado.
- De nada. Você trabalha há muito tempo?
- Quatro anos.
- Quantos anos você tem?
- 13.
- Sei. E como está o Evo?
- Bem.
- Ele é bom?
- É sim.
- Por quê? O que ele está fazendo?
- Está doando... está proporcionando dinheiro para a Bolívia.
- Ah, é?
- É. Antes não era assim.
- Como era?
- Antes não faziam nada, só roubavam.
- O Evo não rouba não, né?
- Não. Ele está usando o dinheiro para mudar o país.
- Você acha que ele faz as coisas para os mais necessitados?
- Acho sim.
- A vida vai melhorar para todos, então?
- Vai sim.
- Que bom. Tomara. Você está na escola?
- Estou.
- Legal. E o que você quer ser quando crescer?
- Doutor.
- Médico?
- Isso.
- Que legal. E por que você quer ser doutor?
- Para salvar vidas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Imagens do Paraíso

Como prometido no post abaixo, aí vão algumas fotos do Salar de Uyuni e da Reserva Natural Eduardo Avaroa, no sudoeste da Bolívia:


Sal empilhado para produção

Um verdadeiro oceano (vista da Isla del Pescado, no meio do salar)

Baía de sal
O carro e o nada

Mais vista da Isla del Pescado

Este sim é um homem solitário

Hexágonos de sal

A Tati e o nada

Indo pra Reserva Eduardo Avaroa

Laguna Cañapa

Laguna Honda

Deserto Siloli

Árbol de Piedra

Deserto Salvador Dalí (precisa explicar o porquê do nome?)

Laguna Verde

Laguna Colorada

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Estações bem definidas



Cheguei à conclusão de que é preciso ir no Salar de Uyuni no verão e no inverno. Pois são dois cenários completamente diferentes.

Fui em janeiro, quando as águas das chuvas formavam uma camada de alguns centímetros sobre o deserto de sal. O resultado é que a água fazia as vezes de um grande espelho. Parecia que estávamos voando (foto de cima).

Voltei agora em junho com a Tati, que ainda não conhecia. Já sem água, o maior salar do mundo é uma imensidão em branco. Impressionante. Dá a sensação de estarmos na superfície de outro planeta (foto de baixo).

De qualquer forma, seja no inverno, seja no verão, é o lugar mais inacreditável que já estive até agora.

Pra completar, ainda tem, ao sul do salar, a Reserva Natural Eduardo Avaroa. Com tudo o que você imaginar: desertos, lagos, vulcões, neve, terma, gêisers, animais andinos... Outro lugar maravilhoso.

Mais fotos num próximo post.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Torcendo pelo colonizador


Por causa das minhas origens, é pra Espanha que torço nesta Eurocopa. Nem preciso falar que vibrei com a vitória sobre a Itália ontem. Tenho ascendência italiana também, gosto do país (embora sem conhecer ainda), mas odeio o futebol retranqueiro da azurra. Sempre tento gorar.

Pode ser besteira, mas confesso que me senti meio culpado pelo entusiasmo pela vitória espanhola, vivendo onde e vivo e vendo as coisas que vejo. Não sei, mas tenho a impressão que o estrago que a Espanha fez por aqui foi (e ainda é, através da elite descendente de espanhóis) bem maior do que o que Portugal fez no Brasil.

Pelo menos, a raiva pelos espanhóis incrustada no inconsciente coletivo dos bolivianos é mais forte. Talvez porque 70% deles sejam indígenas. Obviamente, os mais afetados pela colonização e, hoje, os mais excluídos e desrespeitados em suas crenças e tradições.

A Bolívia é o país mais pobre da América do Sul. E Potosí chegou a ser capital do mundo, quando a prata das suas montanhas bancava a opulência e o desenvolvimento europeus.

A Europa não seria o que é sem os recursos naturais do terceiro mundo. Agora, a União Européia vem com essa de pôr na cadeia os imigrantes ilegais, que basicamente querem fugir dos países que o primeiro mundo detonou.

Alguém pode dizer que a culpa não é só dos colonizadores, mas também dos próprios colonizados, que governam, há dois séculos, países independentes. Não levam em conta, porém, que as colonizações criaram uma estrutura de poder e uma elite político-econômica vigentes até hoje.

E quanto às leis anti-imigrações, cadê a tão aclamada globalização? Já sei, globalização é só pras empresas dos países ricos virem aqui no quintal deles brincar de tomar conta dos recursos naturais, da telefonia, da educação privada, da mão-de-obra barata etc.

Mas se os bichos do quintal quiserem entrar na casa deles, mata que dá doença!

ps: na foto, o Cerro Rico, em Potosí, de onde saía a prata para a Espanha.

domingo, 15 de junho de 2008

Chique demais

Quem vier para a Bolívia, pode pedir o vinho nacional, sem medo. Vem de Tarija, no sul. Demorou, mas experimentei. E gostei.

Aos trancos e barrancos

Abaixo, mais uma avaliação sobre os dois anos do governo Evo. Dessa vez, uma entrevista com o sociólogo que me hospedou em sua casa nas minhas primeiras duas semanas em La Paz:

Brasil de Fato, edição 254 (de 10 a 16 de janeiro de 2008)

Processo revolucionário em xeque

Para sociólogo, Evo Morales e o MAS pecam por não possuírem um projeto político-econômico para o país

Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)

Após um começo animador, o governo de Evo Morales, eleito em dezembro de 2005, estancou. Em alguns pontos, até retrocedeu. A avaliação é do sociólogo boliviano Eduardo Paz Rada, que atribui tal situação à falta de um projeto político-econômico de transformações do país por parte do MAS e do presidente. Segundo ele, os impulsos iniciais, como a nacionalização dos hidrocarbonetos e o pontapé na reforma agrária, foram seguidos por constantes erros estratégicos – como o não fortalecimento da capacidade produtiva boliviana – e concessões às oligarquias.

QUEM É

Docente da Universidad Mayor de San Andres (UMSA), de La Paz, o sociólogo Eduardo Paz Rada foi deputado federal, entre 1997 e 2002, pelo partido Conciencia de Patria (Condepa). Escreve para as revistas América XXI (Argentina-Venezuela) e Patria Grande (Bolívia).

Brasil de Fato – Dois anos de Evo Morales. Quais foram seus principais acertos e erros?

Eduardo Paz Rada – No processo anterior a 2005, e no momento que Evo Morales ganhou as eleições com 54%, vivia-se no país uma efervescência popular, praticamente um estado de revolução muito profundo. Isso se refletiu na primeira parte do primeiro ano do governo dele. Mas, paulatinamente, foi-se observando que, em termos de respaldo social, de 2005 a 2007, há uma queda, que pode ser resultado de um desgaste normal do poder. Mas acredito que não seja apenas isso. Tem a ver também com as limitações para se implementar um projeto completo e integral de mudanças. A falta desse projeto tem feito com que muitos setores percam confiança e deixem de apoiar a Evo Morales. O que não quer dizer que os setores sociais mais fortes não sigam apoiando-o. Mas, sua gestão começa a gerar muitas dúvidas porque, embora nos campos social, político e cultural se tenha dado grandes passos, hoje eles estão estancados. No campo econômico, houve um grande impulso nos primeiros meses, mas os marcos neoliberais seguem vigentes. Isso é o preocupante.

Você disse que o modelo neoliberal segue vigente. Por que não foram feitas mudanças mais profundas nesse sentido?

O primeiro impulso foi muito bom, porque a idéia central era que a economia nacional passasse a ser controlada pelo Estado boliviano. Daí que a nacionalização dos hidrocarbonetos foi uma decisão histórica, fundamental, e que implicou em reações muito poderosas das transnacionais e dos governos que as apóiam, como Espanha, Estados Unidos, França e Brasil. Mas, paulatinamente, esse processo foi se debilitando. Novos contratos com as mesmas transnacionais foram assinados, claro que em melhores condições para a Bolívia, mas que ainda são muito vantajosas para as empresas. Antes da nacionalização, a distribuição da renda petroleira era de 18% para o Estado boliviano, e 82% para as transnacionais. Com a nacionalização de maio de 2006, isso se inverteu: 18% para as petroleiras, como pagamento a seus serviços, e 82% ao Estado. Com os contratos de outubro de 2006, essa relação mudou. Cerca de 50% vai para as petroleiras, e 50% para o Estado boliviano. Geralmente, menos para o Estado e mais para as petroleiras, porque elas têm uma série de vantagens para evitar o pagamento de impostos. E agora, o que se está observando claramente é que a Petrobras vai começar a ter novamente o controle fundamental do negócio petroleiro na Bolívia. Vai receber novos contratos, novos campos. E a PDVSA [estatal venezuelana de petróleo], que havia a possibilidade de se aliar com a estatal boliviana, praticamente está perdendo terreno. Além disso, confiava-se que, com a nacionalização, a YPFB [estatal boliviana] passasse a ter uma grande força. Mas isso não aconteceu e ela continua tão fraca como antes.
Além disso, as empresas que haviam sido, entre aspas, capitalizadas, continuam igual. As maiorias das ações não foram recuperadas pelo Estado boliviano. Todo o sistema de gasodutos segue nas mãos de uma empresa holandesa-estadunidense.
No campo bancário, as grandes corporações seguem com as mesmas condições, tendo os mesmos negócios de sempre, e grandes vantagens. Então, esse primeiro impulso foi freado, inclusive retrocedeu nesse momento.

Mas, o que falta para que se dê um outro impulso nesse sentido?

A falta de um projeto político-econômico do governo. Um exemplo. Os excedentes que estão entrando com os maiores ingressos por causa do gás estão se convertendo em bônus de beneficência. Para as crianças que estudam, para os aposentados. E é muito dinheiro. Pelo menos grande parte desse recurso deveria ser utilizada em projetos produtivos, em potencializar a YPFB, as empresas públicas, em financiamentos para empresas agrícolas, para cooperativas, em uma série de campos que permitissem o desenvolvimento nacional. Isso não foi e não está sendo feito. Outro exemplo. Quem faz empréstimos para se construir rodovias, ou para projetos do Estado? A Corporação Andina de Fomento (CAF). Empresta com juros de 7%. E o Banco Central faz empréstimos a empresas estrangeiras a 3%. Então, é uma loucura. Quando esse dinheiro deveria ser investido aqui. A explicação é que a equipe econômica que rodeia Evo é, em termos de concepção, formada pelos mesmos que estiveram nos 15 anos anteriores.

Como você avalia, nesses dois anos, a relação de Evo Morales com a oligarquia?

Tem sido uma relação muito conflituosa, de crise permanente. Era o que deveria ocorrer, devido à pressão social e ao ponto de vista de Evo e do MAS de ir adiante com a reforma agrária. Pelo menos 50% das terras produtivas (100 milhões de hectares) estão nas mãos de não mais que 500 famílias. E, com outras medidas, iria provocar a reação de outros setores oligárquicos, como as petroleiras, os bancos etc.
Mas, nessa disputa, quem foi ganhando terreno foi a oligarquia e seus interesses, em retrocesso do projeto de Evo Morales. E por que isso ocorreu? Desde o começo, nos primeiros seis meses de gestão, Evo fez muitas concessões aos governadores departamentais. Porque nenhuma lei respalda a autonomia dos governadores. A lei na Bolívia diz que eles são nomeados pelo presidente e dependem do ministro da Presidência. Mas, como foram eleitos por voto direto, avalizados por Evo Morales, pouco a pouco eles foram alçando seus próprios vôos. E Evo não os freou de cara. Deu muito poderes a eles. Converteu-os em interlocutores quando deveriam ser subalternos do governo central. Além disso, eles têm o apoio da embaixada dos EUA, da embaixada do Brasil, dos senadores, que são em sua maioria da oligarquia, das petroleiras e dos latifundiários. O governo ainda tem força, mas já não a que tinha há um ano e meio.

Uma das grandes promessas do Evo foi a chamada revolução agrária. Como está esse aspecto, já que também é um instrumento para debilitar a força dessas oligarquias?

Provavelmente, esse tem sido, em termos da correlação de forças políticas internas, o tema chave. Porque, as petroleiras, as mineradoras, os bancos, estão mais ligados ao exterior. O que não quer dizer que os latifundiários não estejam ligados a capitais brasileiros, paraguaios, estadunidenses. Mas a propriedade das terras está, majoritariamente, em mãos nacionais. E o projeto de Evo Morales era fazer uma nova reforma agrária. E começou a levá-lo adiante com muita força, enfrentando aos proprietários de terra. No entanto, o ministro de Desenvolvimento Rural, Hugo Salvatierra, entrou em um problema de ter feito tráfico de alguns tratores e foi substituído. O vice-ministro de terras, Alejandro Almaraz, que estava levando adiante esse processo, entrou em um choque muito duro com os latifundiários. Começaram a atacá-lo com muita força. E, num momento, recebeu muito apoio do governo. Mas, pouco a pouco, ele mesmo passou a sentir cada vez menos apoio do entorno do governo, e a situação está quase paralisada. A idéia era, primeiro, fazer um inventário das terras estatais e começar a distribuí-las. Isso está bastante atrasado. O segundo passo era recuperar as terras improdutivas e redistribuí-las. Aqui foi a luta mais forte. E hoje está numa situação de quase estancamento. Porque os setores latifundiários estão armados, têm pequenos exércitos, que amedrontam aos camponeses que estavam ocupando terras. E o governo, que estava tentando avançar nesse aspecto, o faz com muita lentidão. O projeto segue, está presente. Mas está muito ligado ao contexto. Os temas da Constituinte, de Sucre, da autonomia, estão sendo argumentos para evitar que o poder dos latifundiários seja afetado.

Um dos instrumentos mais fortes das oligarquias são os meios de comunicação. O que o governo de Evo tem feito para enfrentar esse poder?

Grandes passos foram dados. Em nenhum momento, Evo Morales tem conciliado com esses setores proprietários que foram e continuam sendo seus inimigos. Ele começou a implementar as rádios comunitárias, com um importante apoio econômico e técnico da Venezuela. Sem dúvida, aqui há um avanço, mas não o suficiente, sobretudo nas cidades, para se contrapor ao peso dos meios privados. Nesse momento, apesar dessa disputa, os meios privados estão muito fortes. Porque se fortalecem através do apoio dos setores econômicos. E, se assistimos os canais de televisão, vemos que todos têm publicidade estatal. E com isso vivem. Então, há essa grande contradição. O governo dá dinheiro para que os ataquem.

Como é a relação entre Evo e o MAS no governo? Até que ponto o Evo toma decisões mais autônomas, ou o MAS tem um papel mais forte?

O MAS nunca foi uma organização política no sentido clássico. Não tem estrutura partidária. É mais uma espécie de federação de movimentos sociais muito heterogêneos. E entre seus dirigentes, alguns tem cargos como parlamentares, constituintes, ministros, mas não obedecem a uma estrutura, e sim a formas sindicais. Como existe uma organização muito fraca, o papel de Evo Morales é sempre muito poderoso. Eu poderia dizer que o Evo Morales concentra o MAS e o governo. O que, sim, existe institucionalmente, é o fato de que muitos dos integrantes da sua equipe de governo, do meu ponto de vista, estejam comprometidos com o projeto neoliberal e muitos tenham feito do governo simplesmente um espaço de administração de poder e não uma instância para transformar o país.

Quais são os desafios de Evo para o próximo ano?

Ele tem que ir por dois caminhos. O primeiro, político, está relacionado com o referendo revocatório. Mas a aposta nele não tem que ser somente “que o Evo se vá”, mas também quais projetos há por trás de uns e outros, quais bandeiras, qual país querem construir. E não cometer os erros desses dois anos. Ou seja, que as pessoas participem, que votem com a convicção de que é para mudar profundamente, como era em 2005.
Por outro lado, não esperar o referendo revocatório para deixar de fazer política e de governar. O governo teria que impulsionar novamente o projeto original da nacionalização dos hidrocarbonetos, de fortalecimento da capacidade produtiva do país.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

El Alto desceu

El Alto está descendo! As classes média e alta se apavoram. A imprensa aterroriza. El Alto está descendo! Não foi a primeira vez. Tampouco foi a última.

Acho que nunca tinha visto uma manifestação tão impressionante. 50, 60, 70, 80 mil pessoas? Não dá pra dizer, mas era muita gente. Descendo de El Alto, a 4.100 metros de altitude, para La Paz, a 3.600.

Pararam o trânsito, pararam a cidade. Desceram em fila, super organizados, divididos por distritos, por associações etc. Levando faixas, cartazes, bandeiras bolivianas e a whipala. A maioria vestindo ponchos, polleras, chapéus-coco. Aguayos nas costas, alguns com crianças dentro.

Até a Embaixada dos EUA, para protestar contra o asilo político dado ao ex-Ministro da Defesa, acusado de ser um dos responsáveis pela morte de mais de 60 pessoas na Guerra do Gás.

Acostumado a manifestações no Brasil, sempre me causa uma certa estranheza as mobilizações na Bolívia. Lá, sempre uma imensa maioria de estudantes de classe média. Aqui, a classe baixa. Indígena. Trabalhadora.

Mas, mesmo aqui, ainda não tinha visto nada dessa magnitude. Não parava de chegar gente. Queriam entrar na Embaixada. Expulsar o embaixador. Estavam emputados.

Não se brinca com El Alto. Morreram dezenas. Centenas ficaram feridos, mutilados. Mas quem ganhou a Guerra do Gás foram eles.

Mas a infâmia da repressão do Estado vai permanecer para sempre. Vai ficar na memória coletiva dos alteños permanentemente, mais ou menos como a perda do mar está na mente de todos os bolivianos.

El Alto não vai descansar enquanto os responsáveis pela morte de seus pais, filhos, maridos, esposas, irmãos e amigos não responderem pelo que fizeram.

Não se brinca com El Alto.


ps: fotos de Sue Iamamoto

sábado, 7 de junho de 2008

Atajo, outra vez

Sexta-feira à noite, espera de 45 minutos para entrar, sob um frio de uns 3º C. Meu segundo show do Atajo, banda da qual já falei aqui.

Uma apresentação que serviu pra confirmar a primeira impressão. Os caras são bons mesmo. O show chamava “O beijo da morte”. O cenário, as pinturas nas caras, até uma espécie de encenação com atores no começo... tudo remetia ao tema.

Algumas excelentes canções novas, outras já de sucesso, mas igualmente ótimas, músicos convidados... eles são mais uns entre tantos que mostram que dá pra fazer arte engajada sem ser aquela coisa pesada e sem poesia.

Abaixo, a matéria que fiz sobre eles:

Brasil de Fato, edição 267 (de 10 a 16 de abril de 2008)

Retratos da Bolívia

Atajo, grupo de rock boliviano, experimenta ritmos andinos e do resto da América Latina, além de apresentar letras com temáticas político-sociais

Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)

A idéia era ir direito ao ponto. Não fazer como a maioria das bandas bolivianas de então: começar tocando covers, ficar conhecida e só então compor canções. Pelo contrário, o objetivo era tomar um caminho mais curto. Um atalho.
Surgiu, assim, em 1996, o grupo Atajo (atalho, em espanhol), uma das bandas de rock de maior sucesso na Bolívia atualmente. O projeto, além de tocar músicas próprias, era compô-las em espanhol e “falar do que acontece com a gente, individualmente e na sociedade”, explica Panchi Maldonado, compositor, guitarrista e voz principal do grupo.
No entanto, mais do que as letras no idioma nacional, chamam a atenção as composições de caráter social e político da banda e suas experimentações com outros ritmos, como os sons tradicionais da região andina, do resto da América Latina, o reggae e o blues.
“Eu tinha um grupo chamado ‘La Bluesera’. Marcelo Siles, meu parceiro, gostava bastante de blues. Eu também, mas queria experimentar mais com outros ritmos. Então decidimos nos separar e eu fundei Atajo. Não tem limites, não tem teto, estamos totalmente abertos a fazer o que quisermos”, conta Panchi.
Elmer Cuba, percussionista do Atajo, conta que a banda parte de uma base rockeira comum a todos os membros, e utiliza as influências musicais de cada um. “O modo que fusionamos essas influências faz com que saia um produto muito particular”, opina.

Ritmos latinos

Caporal e morenada dos Andes bolivianos, cajón afro-peruano, saya afro-boliviana, corrido mexicano, huayno peruano. A lista de ritmos mesclados ao rock do Atajo é interminável, contribuindo para valorizar as expressões musicais latino-americanas.
Sem, no entanto, chegar a tocar o ritmo autóctono de forma pura. “Porque estaríamos desrespeitando-o. Não somos feitos para fazer essas músicas. Escutamo-nas, e as trabalhamos para misturá-las”, explica Germán Romero Andrade, guitarrista da banda, que enfatiza que nunca caracterizam as canções tradicionais como folclóricas.
No caso boliviano, Elmer diz que seu país possui uma riqueza cultural e musical muito grande, e que usar as influências dos ritmos andinos é relativamente fácil, “porque as vivemos muito fortemente”.
Panchi, porém, conta que o contato mais próximo com tais ritmos não foi imediato. “Na adolescência, ouvi bastante heavy metal (***). Depois, comecei a escutar rock melódico, ou em espanhol. A partir disso, comecei a olhar mais para dentro, aprendi a escutar música andina, e a tocar também. Então, foi uma viagem por muitos ritmos. E agora, tento experimentá-los”.
Tal incursão por novos sons trouxe desafios ao grupo e seus integrantes, como a obrigação de estudar e aprender a tocar instrumentos incomuns na música “moderna”. O baixista Gonzalo Molina González, por exemplo, considera possuir uma base ainda bastante rockeira. “Estou aprendendo um pouco mais dos ritmos latinos”, diz.

Manifesto

Da formação original do Atajo, apenas Panchi Maldonado, seu fundador, permanece. Hoje, além dele e do percussionista Elmer Cuba, do guitarrista Germán Romero Andrade e do baixista Gonzalo Molina González, fazem parte da banda o tecladista Marco Antonio Flores Gutiérrez e o baterista Edgar Arene.
Todos eles, assim como os membros anteriores, com profunda sensibilidade social. Em 1998, o primeiro disco do grupo, chamado Personajes Paceños (Personagens Pacenhos, como são conhecidos os naturais de La Paz), trazia uma espécie de manifesto traduzido em 12 canções com histórias reais, costumes, problemas e denúncias envolvendo personagens da capital boliviana.
Uma delas, Reggae de los lustras (Reggae dos engraxates), conta a dura vida dos meninos engraxates, que em La Paz costumam cobrir seus rostos para não serem reconhecidos pelos colegas de escola.
Não demorou muito para a imprensa posicionar o Atajo no gênero “rock urbano”, ao mesmo tempo em que afirmava que o rock da Bolívia havia nascido com o álbum. A categorização ganhou força em 2000, quando a banda lançou Calles Baldías (Ruas Baldias), que contemplava a temática da vida marginal da cidade, unindo as canções com sons de rua e cantos populares urbanos.

Experimental

“As pessoas têm sempre que classificar. Com a gente, há um problema, porque tocamos de tudo. Então, quando tocamos uma morenada, não sabem o que dizer”, pondera Panchi. Já Elmer faz uma proposta: se desejam classificar o Atajo, que o coloquem no gênero experimental. “Fazemos a música que gostamos e a que queremos fazer. Por isso não queremos estar em uma categoria, porque é muito limitante, no sentido de não podermos explorar mais além de determinada fronteira”, diz.
A temática social, a realidade e a história recente da Bolívia estão presentes também, por exemplo, em músicas como Ay! Mamita (Ai! Mãezinha), Que la D.E.A no me vea (Que a D.E.A não me veja) e Hoja Verde (Folha Verde).
A primeira trata da Guerra do Gás, quando, em outubro de 2003, dezenas de pessoas que reivindicavam a utilização do gás para o desenvolvimento do país foram mortas pela repressão do governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Na letra, mãezinha é a terra, enquanto o ex-mandatário é tratado como Goni, seu apelido, e Gringo, como também é chamado pelo fato de ter vivido boa parte de sua vida nos EUA.

Compromisso social

Já as duas últimas defendem a importância da folha de coca para a cultura andina e denuncia a ação da D.E.A (Drug Enforcement Administration, a agência anti-drogas estadunidense) na Bolívia, que trouxe como conseqüência a criminalização da coca e de seus cultivadores.
O Atajo participou, ainda, da campanha à presidência de Evo Morales, em 2006. Para os componentes da banda, que afirmam que mais do que o apoio a uma pessoa, foi um apoio a um processo de mudanças, o artista deve ter compromisso social e político. “Alguns se queixam de estarem em um sistema com o qual não estão de acordo, mas, se não dizem nada contra isso, são cúmplices, parte disso. Acho importante que o músico diga o que pensa, não só a nível social, mas também pessoal”, opina Panchi.
Quanto aos dois anos de governo Evo, o compositor do Atajo diz que não culpa o presidente por ainda não ter solucionado os problemas. “É duro fazer isso num país podre. O indígena sempre foi considerado um inseto. Vem sendo a merda, o pária de nossa sociedade. Agora, é difícil para o poderoso aceitar um índio no governo”.

Em www.atajo.org, é possível conferir todas as letras do grupo e até baixar alguns CDs e músicas.

LETRAS

Ay! Mamita (Pachamama) / Ai! Mãezinha (Mãe-terra)
Letra e música: Panchi Maldonado

Ay! mamita me duelen los ojos
de ver como te manchan con sangre
se callaron a más de ochenta personas
que el gringo ha mandado a matar
goni go home!
ay! mamita tengo los oídos confundidos
de escuchar tanta porquería
cuando el caballero se va a justificar
del uso de bala a la turba
zorro cabrón!

Ay! Mamita te pido perdón
por las cosas que pasan en tu vientre
ay! mamita canto esta canción
a esa gente que dio su ejemplo y su vida
ay! mamita recíbelos
queremos vivir mejor
ay! mamita me tiemblan las manos
de un presidente y sus dos promesas
defendió con las armas su democracia
luchó contra la pobreza,
goni cumplió!
ay! mamita aún me queda el corazón
mi guitarra y mi voz al viento

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Ai! Mãezinha, meus olhos doem
de ver como te mancham de sangue
calaram a mais de oitenta pessoas
que o gringo mandou matar
goni go home!
Ai! Mãezinha, tenho os ouvidos confundidos
de escutar tanta porcaria
quando o cavalheiro vai justificar
o uso de bala contra a turba
puto sacana!

Ai! Mãezinha, te peço perdão
pelas coisas que acontecem em seu ventre
Ai! Mãezinha, canto esta canção
a essa gente que deu seu exemplo e sua vida
Ai! Mãezinha receba-os
queremos viver melhor
Ai! Mãezinha minhas mãos tremem
por causa de um presidente e suas duas promessas
defendeu com as armas sua democracia
lutou contra a pobreza
Goni cumpriu!
Ai! Mãezinha, ainda me resta o coração
meu violão e minha voz ao vento

Que la D.E.A. no me vea / Que a D.E.A não me veja
Letra e música: Panchi Maldonado

Que la d.e.a. no me vea que me causa estrés
y es mas el abuelo me enseño a pijchar
y es mas el hambre me hace olvidar
y es mas el akulliku no se perderá
y es mas el cansancio me lo va quitar
que la d.e.a. no me vea que me causa estrés
que la d.e.a. no me vea

No mates al cocalero
la coca no es cocaína
no acoses al cocalero
la coca es milenaria
Yankee mother fucker green go!
yankee mother fucker go home!
que la d.e.a. no me vea que me causa estrés////
que la d.e.a. no me vea
Que la d.e.a. no me green go!
que la d.e.a. no me go home!

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Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
E tem mais, meu avô me ensinou a pijchar [mascar coca, em quéchua]
E tem mais, me faz esquecer da fome
E tem mais, o akulliku [mascar coca, em aymara] não se perderá
E tem mais, me vai tirar o cansaço
Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
Que a D.E.A não me veja

Não mate o cocalero
A coca não é cocaína
Não acosse o cocalero
A coca é milenar
Yankee mother fucker, green go!yankee mother fucker, go home!
Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
Que a D.E.A não me veja

Que a D.E.A não me… green go!
Que a D.E.A não me… go home!

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Reggae de los lustras / Reggae dos engraxates
Letra e música: Panchi Maldonado

Ya es muy temprano quisiera seguir
durmiendo un ratito pero hay que salir
además si tardo ya pueden venir
esos señores de verde
que nos pegan y nos queman

Recojo mi caja sigo a ese señor
sus zapatos sucios le limpio por favor?
él me dice bueno de muy mal humor
así que saco un buen lustrey empiezo el día (aha)

Y digo popopopo popopo por eso, yo hago eso
Popopopo popo por eso, por ganarme un peso
Pero hay gente que se sigue olvidando
Que nuestros estómagos nos piden rancho
Y que también somos seres humanos
(de carne y hueso)

A veces clefeamos o nos tomamos un trago
y aunque no creannos olvidamos del mundo por un rato
uoyo, uoyoyoyo...
Rastaman is the way oh is the way
rastaman is the way oh is the way
rastaman provied the bread

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Já é muito cedo, queria continuar
Dormindo um pouquinho, mas é preciso sair
Além disso, se demoro, já podem vir
Esses senhores de verde
Que nos batem e nos queimam

Pego minha caixa, me dirijo a esse senhor
Seus sapatos sujos, os limpo, por favor?
Ele me diz “tudo bem” de muito mal humor
Assim que consigo uma boa engraxada
E começo o dia (aha)

E digo popopopo popopo por isso, eu faço isso
Popopopo popo por isso, para ganhar um peso
Mas há pessoas que continuam esquecendo
Que nossos estômagos nos pedem comida
E que também somos seres humanos
(de carne e osso)

Às vezes cheiramos cola ou tomamos um trago
E mesmo que não acreditem
Esquecemos do mundo um pouco
uoyo, uoyoyoyo...
Rastaman is the way oh is the way
rastaman is the way oh is the way
rastaman provied the bread

A arte engajada

Algunas participações de Atajo em eventos políticos:

2006: Participação em disco de apoio à candidatura de Evo Morales à presidência.

Abril de 2005: Semana de ação mundial por um comércio justo e solidário (Campanha continental contra a Alca/ Movimento Boliviano contra a Alca e o TLC). La Paz.

Outubro de 2004, Novembro de 2005 e Janeiro de 2006: Campanha Coca e Soberania (Primeira Feira pela Despenalização da Folha de Coca).

Outubro de 2004: Feira Cultural em Homenagem aos caídos de outubro de 2003. La Paz.

Dezembro de 2003: Concerto pelos Direitos Humanos, promovido ela Assembléia Permanente de Direitos Humanos da Bolívia.

Novembro de 2003: Concerto em benefício de viúvas e órfãos dos acontecimentos de outubro de 2003. La Paz.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Sucre, capital do racismo

O artigo abaixo fala de um fato assombroso ocorrido em Sucre há pouco mais de uma semana, quando indígenas foram humilhados na praça principal da cidade.

Já tinha falado aqui como a direita usava o regionalismo e o racismo para arrebatar toda uma população a seu favor. Pois bem, o exemplo perfeito disso está aí.

Para ilustrar melhor, um vídeo curto sobre o que aconteceu.

ps: prestem atenção na última frase do artigo, entre parênteses. Reflete bem o clima na cidade, que senti em novembro, onde os que ousam discordar do senso comum correm sérios riscos de serem agredidos e terem suas casas queimadas.

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Sucre, capital del racismo

César Brie

Enviado por Indy La Paz el Mar, 03/06/2008 - 18:52.

Desde noviembre, Sucre está gobernada de hecho por el Comité Interinstitucional cuyos representantes (la mayoría políticos derrotados en las urnas) deciden todo en esa ciudad. Ellos alentaron la formación de los grupos de choque que el 24 de mayo vejaron a los campesinos, obligándolos a besar el suelo y la bandera de Chuquisaca a punta de chicotazos. El 24 de mayo en Sucre quedará como un capítulo más de la historia universal de la infamia. Un grupos de campesinos vejados a chicotazos y patadas, obligados a marchar semidesnudos hasta la plaza 25 de Mayo, a arrodillarse frente a la Casa de la Libertad, a besar el suelo, la bandera de la capitalía plena, a cantar el himno de Chuquisaca y quemar ellos mismos sus whipalas y pancartas. Pude filmar este espanto y cualquiera puede encontrarlo en You tube en el sitio www.youtube.com .
No tuve la frialdad para quedarme en la plaza y seguir filmando a los responsables, la mayoría con pasamontañas que les cubrían el rostro. Sólo reconocí a uno de los exaltados, que luego de haberlos correteado se estrecho la mano con personeros de la Alcaldía en la puerta de la misma y se fue en una moto que allí tenía parqueada. Muchas personas, testigos de la vejación, alzaron la voz pidiendo que los campesinos no sean golpeados. Oí un inefable: "No les peguen, si no van a decir que somos racistas". Como si el racismo dependiera de una paliza final y no del secuestro y humillación recibidos. Seres humanos vejados y maltratados.
Al día siguiente entrevisté a campesinos que fueron rehenes en la plaza y a otros maltratados y vejados en diferentes lugares de Sucre. Filmé el relato atroz de lo que pasaron, las cortaduras y marcas provocadas por las agresiones. Supe de dos violaciones por un testimonio ocular, agravadas por la decisión de las mujeres violadas de no decir nada para no " deshonrar a sus maridos" . Filme los piedrazos, las huellas de patadas en la puerta, los vidrios rotos y las marcas de la dinamita arrojada dentro de la casa de Wilber Flores, diputado del MAS que el 10 de abril pasado fue perseguido desde la Alcaldía, golpeado y torturado dentro de un albergue en el cual trató de refugiarse. Flores estaba en El Abra en el momento del ataque a su casa, donde su mujer y su hija debieron huir cerro arriba para no ser linchadas. En Gigavisión los bolivianos pudieron ver a Fidel Herrera (uno de los miembros del Comité Interinstitucional) aplaudiendo a la turba que arrastraba a los campesinos. Luego, este señor pidió disculpas (¿de haberlo organizado, de haberlo aplaudido, o de ambas cosas?) y a última hora del 26 de mayo se retractó declarando que toda esta agresión había sido realizada por infiltrados del gobierno. Está ultima versión es recogida por el Correo del Sur, periódico parcializado completamente con las opciones de la derecha y que merece el graffiti escrito en una pared de Sucre: "Las paredes callarán, cuando la prensa diga la verdad".

A riesgo de ser linchados

Que el Comité acuse, en este caso, al gobierno por los hechos de violencia que anunció y desencadenó finalmente, es ridículo. Desde noviembre Sucre está gobernada de hecho por el Comité Interinstitucional cuyos representantes (la mayoría políticos derrotados en las urnas) deciden todo en nuestra ciudad. Muchos de nosotros, que no somos ni simpatizantes del Comité ni miembros del MAS, hemos optado en estos meses por trabajar en silencio para evitar que nuestras opiniones críticas terminaran con una agresión a nuestras personas o a nuestras familias y casas. Pero la infamia del 24 de mayo ha sido la gota que ha rebalsado el vaso. Nos hemos mirado a la cara y hemos decidido que era hora no ya de comunicarnos vía Internet nuestras impresiones sino de declararlas a riesgo de ser linchados por alguna de las bandas fascistas que el Comité Interinstitucional ha promovido. Nos manifestaremos por la paz y el diálogo, de todas las formas posibles, seremos nosotros los periodistas que recogerán los testimonios que la prensa de Sucre, con pocas excepciones, no quiere recoger. Nuestra ciudad debe volver a ser lo suficientemente grande para albergar opiniones diferentes que diriman en modo democrático, con el voto de los ciudadanos, sus diferencias.

Otras consideraciones

El gobierno no se ha destacado por tener hacia Sucre una actitud coherente. Los sucrenses, del bando que sean, todavía esperan del Presidente de la República al menos un pésame por los muertos, y disculpas por haber excluido de la Asamblea Constituyente el tema de la Capitalía. Quien escribe esta convencido que la Capitalía fue introducida en la Asamblea para poder bloquearla. Esto no excluye que dicho tema debía de ser discutido, tratado y finalmente votado. Si la votación hubiera sido contraria a las aspiraciones de Sucre, supongo que hubiera sido ésta la excusa para bloquear la Asamblea. La ilusión masiva con que se ha engañado a los sucrenses radica en haber vuelto de cariz político una reivindicación histórica. La Paz se quedó con la sede de gobierno por la fuerza de las armas y Sucre, hoy día, tiene dos posibilidades: o dirimir el tema a través de un referéndum nacional, o recurrir a la fuerza. Por eso el lema del Comité y de los exaltados "Ni un paso atrás" es un lema suicida, que no puede conducir a nada, pero muy motivador.
El gobierno no ha comprendido que el fascismo, para triunfar debe volverse popular. Y esa popularidad se obtiene a través de slogans demagógicos como el mencionado. El caldo del cultivo de los grupos fascistas ha sido siempre la clase media. Los errores del gobierno y su escasa vocación democrática han colaborado a popularizar este fascismo. Hoy Sucre tiene las paredes llenas de consignas opuestas, y entre ellas destaca la Falange, dada por sepultada desde la muerte de Unzaga de la Vega. No debe olvidarse que el racismo nunca desapareció de Sucre. Subsistió velado por los buenos modales y un hipócrita barniz cultural. En los cafés de la plaza de Sucre y alrededores no entraban los indios, y si entraban, eran invitados a marcharse. Con el triunfo de Evo Morales y la instalación de la Asamblea, la clase media comenzó a resignarse a convivir con los indígenas, pero el cariz de los hechos que llevaron a noviembre retrasó el estado de las cosas hasta que la agresión del 24 de mayo nos hizo precipitar a los humillantes escarmientos de la Colonia. Quienes maltrataron a los indígenas el 24 de mayo tienen la misma piel morena, hablan algo de quechua pero visten diferente. Ese es un axioma del racista: parecerse demasiado al objeto de su odio y por lo tanto enseñarse con el otro para ignorar la parte de sí que se le asemeja.
La Prefectura de Chuquisaca fue ganada por el MAS con los votos del campo, dado que la ciudad votaba mayoritariamente por la derecha. Pero la sede de la Prefectura está en la ciudad de Sucre, y a la clase media de Sucre le resultaba intolerable que el partido "del indio" los gobernara. Un intelectual me dijo en la Plaza que la culpa de todo esto era "de ese indio resentido que nos gobierna. Antes vivíamos en paz". Pienso que esa paz en la que este intelectual ha vivido toda su vida ha sido en realidad la paz de la sumisión, ideal para quien somete, aceptable para quien no la sufre y se beneficia indirectamente de ella (las clases medias), pero atroz y degradante para los sometidos, los indígenas.

(Si estas opiniones provocan algún tipo de agresión, ruego a los potenciales agresores ensañarse - no excesivamente- directamente con el interesado y no con el Teatro que dirijo ni con mi familia, que no son responsables de lo que escribo y ni siquiera comparten muchas de mis opiniones).

domingo, 1 de junho de 2008

Mais um capítulo da novela dos referendos autonômicos

Pelo que vi até agora, os referendos sobre os estatutos autonômicos nos departamentos de Beni e Pando seguem quase o mesmo roteiro que o de Santa Cruz.

Alguns enfrentamentos, urnas queimadas, abstenções, denúncias de fraude, resultados dando a “vitória” do “sim” por volta dos 80%, e, o que é mais nojento, os “jornalistas” dos canais de TV bolivianos tendo orgasmos ao “noticiar” o acontecimento, celebrando a “festa democrática”.

Enfim, uma grande papagaiada feita para servir como carta de negociação com o governo já que, pelo jeito, os estatutos não são aplicáveis, principalmente pelo fato de todos os recursos econômicos da Bolívia passarem pelo governo central.

Portanto, resta esperar o último referendo (o de Tarija, dia 22), ver se depois vai ter diálogo, e quem vai sair melhor dele (está muito claro que, pelos termos em conflito, se a direita ficar contente, isso não significa um empate ou equilíbrio, mas sim uma derrota do governo).

Evo, dois anos

Continuando a postagem de algumas matérias que fiz para a versão impressa do Brasil de Fato, abaixo, uma sobre os dois anos do governo do Evo:

Brasil de Fato, edição 253 (de 3 a 9 de janeiro de 2008)

Governo Evo Morales, reforma ou transformação da Bolívia?

Ao completar dois anos na presidência, gestão do ex-líder cocaleiro é posto em xeque por setores da esquerda

Igor Ojeda
de La Paz (Bolivia)

Era quase uma da tarde do dia 1º de maio de 2006 quando o presidente da Bolívia, Evo Morales, pôs em marcha sua medida de governo que mais repercutiu internacionalmente. O decreto supremo número 28701 determinou que as empresas petroleiras operando no país eram obrigadas a entregar à YPFB (a estatal boliviana) toda a produção. Estabeleceu, além disso, que 82% da renda obtida com os recursos iriam para o Estado, enquanto as transnacionais ficariam com 18%. Antes, ocorria o inverso.
A arrecadação, como era de se esperar, aumentou consideravelmente. Segundo dados do Ministério de Hidrocarbonetos e Energia, em 2005, o Estado recebeu 608 milhões de dólares. Em 2007, até o mês de março, o valor chegava a 1,57 bilhão de dólares. Atualmente, já se estima em mais de dois bilhões de dólares.
“O que o presidente fez até agora nenhum outro fez”, comemora Isaac Ávalos, secretário executivo da Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB), referindo-se à nacionalização dos hidrocarbonetos, entre outros pontos que destaca nestes dois anos de governo.

Descontentamento

A recuperação dos recursos naturais era uma das principais promessas de Evo na campanha presidencial. O fato de ter anunciado o decreto 28701 apenas três meses depois de tomar posse animou os movimentos sociais do país, que passaram a vislumbrar anos de transformações sociais.
No entanto, pouco mais de 20 meses depois, nem todos que levaram Morales à presidência estão contentes com seu desempenho.
A questão dos hidrocarbonetos, por exemplo, é um dos temas polêmicos. “Em termos gerais, não houve nacionalização, pois as transnacionais continuam operando. A única coisa que se fez foi tirar delas umas notas a mais. No processo produtivo, não se tirou todas as atribuições e benefícios. Elas continuam tendo grandes dividendos”, explica o jornalista Julio Mamani, ligado à Central Operária Regional de El Alto (COR- El Alto).
El Alto, cidade muito pobre vizinha à La Paz, foi a protagonista da chamada Guerra do Gás, quando seus habitantes se levantaram contra um projeto do então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada de exportar gás natural para os EUA via um porto do Chile, país que “roubou” a saída para o mar da Bolívia.

Agenda de Outubro

Dos protestos, e dos mais de 60 mortos pela repressão do Estado, saiu a Agenda de Outubro. Segundo Mamani, em relação aos hidrocarbonetos, três pontos eram exigidos: nacionalização, recuperação e industrialização. Para ele, nenhum se cumpriu no governo Evo. “A nacionalização passava pela desarticulação completa das transnacionais. Na verdade, pela expulsão delas”. A volta dos investimentos da Petrobras é um dos fatores que mostram que isso não aconteceu.
Além disso, alguns setores da esquerda reclamam que os recursos adicionais arrecadados com os recursos estejam sendo usados em programas assistencialistas, e não na diversificação do aparato produtivo do país. Para piorar, não há gás para o mercado interno, e a Bolívia precisa, por exemplo, importar diesel.
Para Isaac Ávalos, da CSUTCB, isso ocorre porque o governo central fica com uma parte mínima do dinheiro dos hidrocarbonetos. Boa porcentagem vai para bolsas aos idosos e crianças, enquanto outro montante tem como destino os governos departamentais, as prefeituras e as universidades. Segundo Ávalos, nem os prefeitos, nem os governadores estão aplicando esse dinheiro no setor produtivo. “A única forma de ter mais recursos para o governo é modificando a lei do hidrocarboneto. Há a estimativa de se fazer isso no futuro”, diz.

Reformas

Para Gualberto Choque, ex-dirigente camponês e ligado ao Movimiento Al Socialismo (partido do presidente), a maneira como o governo vem lidando tanto com a questão dos hidrocarburos quanto as de outras áreas explica-se por seu próprio caráter: reformista. “Não há transformação, não há mudança”, lamenta.
Segundo ele, as principais medidas governamentais estão amparadas em políticas assistencialistas, “convertendo a sociedade boliviana em simples perseguidora de um resíduo que se chama esmola”.
Julio Mamani concorda: “Em termos gerais, é um governo burguês de poncho, não está atacando a estrutura”. Tanto para ele quanto para Choque, o grande erro de Evo Morales é fortalecer os movimentos indígenas, em vez de dar um conteúdo de classe às suas ações. “Ele anda divorciado das organizações sindicais, da Central Operária Boliviana (COB), do movimento minerador etc”, explica Mamani.
Segundo Gualberto Choque, isso ocorre porque “a burguesia burocrática se apoderou do governo Molares, e este está levando adiante o programa daquela”.

O Estado tenta retomar o controle da economia

Governo Evo vem tomando medidas contra a lógica econômica neoliberal vigente

de La Paz (Bolívia)

Assim como toda a América Latina, a Bolívia teve o sistema neoliberal como modelo econômico desde os meados da década de 1980. Nos seus dois anos de gestão, o governo do presidente Evo Morales tomou algumas medidas que confrontam os mandamentos do Consenso de Washington.
Em 1º de maio de 2006, eliminou a livre-contratação e decretou a chamada nacionalização dos hidrocarbonetos. Em fevereiro de 2007, nacionalizou a Empresa Metalúrgica Vinto, de propriedade da transnacional suíça Glencore.
Em agosto, o governo criou a Empresa de Apoio à Produção de Alimentos (Emapa) que, com um capital inicial de 24 milhões de dólares, nasceu com o objetivo de garantir a segurança e soberania alimentar. Em novembro, a nova estatal comprou carne do departamento de Beni e abasteceu os mercados de La Paz para abaixar os preços do produto.
Logo depois, o governo emitiu um decreto elevando as tarifas de importação de alguns alimentos e obrigando os exportadores a registrarem a venda de produtos básicos, como carne, arroz, milho e farinha.

Estrutura permanece

No entanto, para o jornalista Julio Mamani, apesar destas medidas, a estrutura econômica boliviana segue neoliberal. “Ainda que se defenda na nova Constituição o direito ao trabalho e a estabilidade laboral, isso não quer dizer que há uma ruptura definitiva”, diz, citando o exemplo da não-regulação dos preços (“coluna vertebral do sistema neoliberal”) pelo Estado.
Para o ex-dirigente camponês Gualberto Choque, a prova de que a economia segue a mesma é a vigência do decreto 21060, de 1985, que estabelece a livre importação e abre a economia ao capital privado internacional. “Ou seja, neoliberalismo puro”.
No entanto, o governo anunciou que, nos primeiros meses de 2008, apresentará uma série de leis e decretos para acabar com o tal norma. (IO)

Constituinte ressuscitou os partidos políticos tradicionais

Para analistas, processo da Assembléia fortaleceu "politiqueiros" e alijou protagonistas da Guerra do Gás

de La Paz (Bolívia)

Um dos principais pontos da chamada Agenda de Outubro, derivada da Guerra do Gás, em 2003, foi a realização de uma Assembléia Constituinte. O foro que refundaria o país também foi uma das maiores promessas de campanha de Evo Morales.
Em março de 2006, o Congresso aprovou a Lei de Convocatória e, em agosto, após eleições de seus membros, a Constituinte foi instalada. De acordo com o jornalista Julio Mamani, ligado à Central Operária Regional de El Alto (COR-El Alto), os protagonistas de outubro de 2003 entendiam que a assembléia deveria ser originária. “O que se falou é que esses setores tivessem representação para que fossem porta-vozes das mudanças que se queria gerar através da chamada Guerra do Gás. Mas, lamentavelmente, constituintes legítimos, representativos da cidade de El Alto não puderam chegar”, conta. Segundo ele, o MAS (partido de Evo), por decisão de sua cúpula levou militantes que “não tinham transcendência nem uma tradição de debate e perspectiva”.

Partidos fortalecidos

Outra crítica que alguns analistas fazem é que a Assembléia Constituinte ressuscitou os partidos políticos tradicionais, que estavam amplamente desgastados depois de 2003. “Os povos indígenas queriam a Constituinte para refundar o país, mas a partir de seus filhos, não de representantes politiqueiros”, lamenta o ex-líder camponês Gualberto Choque.
O resultado, para ele, não é positivo. A nova Constituição, aprovada no dia 9 de dezembro, em meio a muita turbulência com a direita, e celebrada pelos movimentos sociais, “não ataca os interesses dos latifundiários, dos burgueses burocratas. Só muda algumas coisinhas”, diz. Tanto Mamani quanto Choque chamam a atenção para o fato da Carta Magna aprovada não tocar na propriedade privada e respeitar as transnacionais.
O texto constitucional, que ainda irá a referendo, estabelece, entre outras coisas, a Bolívia como um Estado Plurinacional, cujo modelo econômico é conformado pelas economias estatal, comunitária e privada. Determina também que os recursos naturais são de “propriedade e domínio social, direto, indivisível e imprescritível do povo boliviano, sendo o Estado o proprietário de toda a produção e o único facultado para sua comercialização”. Já a extensão máxima de terras que uma pessoa pode possuir, cinco mil ou dez mil hectares, irá a referendo dirimidor. (IO)

A Reforma agrária ainda é lenta

Além do pouco apoio à produção camponesa, estrutura latifundiária ainda continua intocada

Na Bolívia, dados do Ministério de Desenvolvimento Rural, Agropecuário e Meio Ambiente mostram que as pequenas propriedades (de 0 a 50 hectares, 52,7% do total dos imóveis) ocupam apenas 0,46% das terras do país. Já as grandes propriedades, que possuem acima de dois mil hectares (representando 13,9% do total), ocupam 80% das terras.
Por esta razão, uma das principais promessas do presidente Evo Morales é a chamada “Revolução Agrária”: acabar com o latifúndio e desenvolver a produção no campo.
De acordo com o governo, foram recuperadas, até junho de 2007, cinco milhões de hectares de terras obtidas de maneira ilegal. A expectativa é que se chegue, até o final da gestão, a oito milhões de hectares. Até agosto deste ano, 5,5 milhões de hectares de terra foram titulados, e 500 mil foram distribuídos.
A Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB) estima que cerca de 70 milhões de hectares estão nas mãos de latifundiários e que existem no país mais ou menos um milhão de sem-terra.

Ritmo lento

Por isso, para alguns setores, a Reforma Agrária caminha num ritmo lento. No entanto, para Isaac Ávalos, secretário-executivo da CSUTCB, a lei 3545, que entrará em vigor no ano que vem, recuperará mais de 15 milhões de hectares. “Toda latifúndio que não cumpre a função social irá para o Estado. Iremos recuperar muita terra e distribuí-la aos companheiros que não têm”, afirma.
Ele reconhece que até agora, se fez muito pouco em relação à distribuição de terras, crédito, apoio técnico e sementes. “Há um apoio grande com maquinaria, com dois ou três tratores por município. É paliativo, não é solução. Mas, temos pendente com o presidente uma reunião grande a nível nacional de todas as organizações”, explica.
O jornalista Julio Mamani é pessimista: “A Revolução Agrária não se trata apenas de entregar tratores, e sim de fazer um planejamento, do que produzir, qual o mercado etc. Não há um plano de grande envergadura nesse sentido”. (IO)

Alguns avanços do governo Evo, segundo seus apoiadores

Alfabetização: no dia 17, a ministra de Educação e Culturas, Magdalena Cajías, anunciou que, em 21 meses de campanha – inspirada no método cubano “Yo, sí puedo” –, 55% da população iletrada da Bolívia foi alfabetizada, enquanto 18% estão em aulas.

Saúde: de acordo com o Ministério de Saúde e Esportes, 1742 profissionais cubanos da saúde estão no país. Até 18 de dezembro de 2006, foram atendidos 2.785.999 pacientes, 52.838 pessoas haviam sido operadas da vista e 3.541 vidas haviam sido salvas.

Renda Dignidade: a partir de janeiro de 2008, os idosos acima de 60 anos que não têm direito à aposentadoria receberão cerca de 310 dólares por ano, enquanto os aposentados ganharão aproximadamente 235 dólares. Antes, somente os aposentados acima de 65 anos tinham direito a 235 dólares.

Bônus Juancito Pinto: pelo segundo ano consecutivo, entregou cerca de 26 dólares às crianças do primário.

Combate à corrupção: Em 2005, a Bolívia era o 117º país mais corrupto do mundo, segundo a organização Transparência Internacional. Em 2007, ocupa o 105º. O governo espera a aprovação no Congresso de uma lei anticorrupção que prevê mais fiscalização e penas.