sábado, 7 de junho de 2008

Atajo, outra vez

Sexta-feira à noite, espera de 45 minutos para entrar, sob um frio de uns 3º C. Meu segundo show do Atajo, banda da qual já falei aqui.

Uma apresentação que serviu pra confirmar a primeira impressão. Os caras são bons mesmo. O show chamava “O beijo da morte”. O cenário, as pinturas nas caras, até uma espécie de encenação com atores no começo... tudo remetia ao tema.

Algumas excelentes canções novas, outras já de sucesso, mas igualmente ótimas, músicos convidados... eles são mais uns entre tantos que mostram que dá pra fazer arte engajada sem ser aquela coisa pesada e sem poesia.

Abaixo, a matéria que fiz sobre eles:

Brasil de Fato, edição 267 (de 10 a 16 de abril de 2008)

Retratos da Bolívia

Atajo, grupo de rock boliviano, experimenta ritmos andinos e do resto da América Latina, além de apresentar letras com temáticas político-sociais

Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)

A idéia era ir direito ao ponto. Não fazer como a maioria das bandas bolivianas de então: começar tocando covers, ficar conhecida e só então compor canções. Pelo contrário, o objetivo era tomar um caminho mais curto. Um atalho.
Surgiu, assim, em 1996, o grupo Atajo (atalho, em espanhol), uma das bandas de rock de maior sucesso na Bolívia atualmente. O projeto, além de tocar músicas próprias, era compô-las em espanhol e “falar do que acontece com a gente, individualmente e na sociedade”, explica Panchi Maldonado, compositor, guitarrista e voz principal do grupo.
No entanto, mais do que as letras no idioma nacional, chamam a atenção as composições de caráter social e político da banda e suas experimentações com outros ritmos, como os sons tradicionais da região andina, do resto da América Latina, o reggae e o blues.
“Eu tinha um grupo chamado ‘La Bluesera’. Marcelo Siles, meu parceiro, gostava bastante de blues. Eu também, mas queria experimentar mais com outros ritmos. Então decidimos nos separar e eu fundei Atajo. Não tem limites, não tem teto, estamos totalmente abertos a fazer o que quisermos”, conta Panchi.
Elmer Cuba, percussionista do Atajo, conta que a banda parte de uma base rockeira comum a todos os membros, e utiliza as influências musicais de cada um. “O modo que fusionamos essas influências faz com que saia um produto muito particular”, opina.

Ritmos latinos

Caporal e morenada dos Andes bolivianos, cajón afro-peruano, saya afro-boliviana, corrido mexicano, huayno peruano. A lista de ritmos mesclados ao rock do Atajo é interminável, contribuindo para valorizar as expressões musicais latino-americanas.
Sem, no entanto, chegar a tocar o ritmo autóctono de forma pura. “Porque estaríamos desrespeitando-o. Não somos feitos para fazer essas músicas. Escutamo-nas, e as trabalhamos para misturá-las”, explica Germán Romero Andrade, guitarrista da banda, que enfatiza que nunca caracterizam as canções tradicionais como folclóricas.
No caso boliviano, Elmer diz que seu país possui uma riqueza cultural e musical muito grande, e que usar as influências dos ritmos andinos é relativamente fácil, “porque as vivemos muito fortemente”.
Panchi, porém, conta que o contato mais próximo com tais ritmos não foi imediato. “Na adolescência, ouvi bastante heavy metal (***). Depois, comecei a escutar rock melódico, ou em espanhol. A partir disso, comecei a olhar mais para dentro, aprendi a escutar música andina, e a tocar também. Então, foi uma viagem por muitos ritmos. E agora, tento experimentá-los”.
Tal incursão por novos sons trouxe desafios ao grupo e seus integrantes, como a obrigação de estudar e aprender a tocar instrumentos incomuns na música “moderna”. O baixista Gonzalo Molina González, por exemplo, considera possuir uma base ainda bastante rockeira. “Estou aprendendo um pouco mais dos ritmos latinos”, diz.

Manifesto

Da formação original do Atajo, apenas Panchi Maldonado, seu fundador, permanece. Hoje, além dele e do percussionista Elmer Cuba, do guitarrista Germán Romero Andrade e do baixista Gonzalo Molina González, fazem parte da banda o tecladista Marco Antonio Flores Gutiérrez e o baterista Edgar Arene.
Todos eles, assim como os membros anteriores, com profunda sensibilidade social. Em 1998, o primeiro disco do grupo, chamado Personajes Paceños (Personagens Pacenhos, como são conhecidos os naturais de La Paz), trazia uma espécie de manifesto traduzido em 12 canções com histórias reais, costumes, problemas e denúncias envolvendo personagens da capital boliviana.
Uma delas, Reggae de los lustras (Reggae dos engraxates), conta a dura vida dos meninos engraxates, que em La Paz costumam cobrir seus rostos para não serem reconhecidos pelos colegas de escola.
Não demorou muito para a imprensa posicionar o Atajo no gênero “rock urbano”, ao mesmo tempo em que afirmava que o rock da Bolívia havia nascido com o álbum. A categorização ganhou força em 2000, quando a banda lançou Calles Baldías (Ruas Baldias), que contemplava a temática da vida marginal da cidade, unindo as canções com sons de rua e cantos populares urbanos.

Experimental

“As pessoas têm sempre que classificar. Com a gente, há um problema, porque tocamos de tudo. Então, quando tocamos uma morenada, não sabem o que dizer”, pondera Panchi. Já Elmer faz uma proposta: se desejam classificar o Atajo, que o coloquem no gênero experimental. “Fazemos a música que gostamos e a que queremos fazer. Por isso não queremos estar em uma categoria, porque é muito limitante, no sentido de não podermos explorar mais além de determinada fronteira”, diz.
A temática social, a realidade e a história recente da Bolívia estão presentes também, por exemplo, em músicas como Ay! Mamita (Ai! Mãezinha), Que la D.E.A no me vea (Que a D.E.A não me veja) e Hoja Verde (Folha Verde).
A primeira trata da Guerra do Gás, quando, em outubro de 2003, dezenas de pessoas que reivindicavam a utilização do gás para o desenvolvimento do país foram mortas pela repressão do governo do presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. Na letra, mãezinha é a terra, enquanto o ex-mandatário é tratado como Goni, seu apelido, e Gringo, como também é chamado pelo fato de ter vivido boa parte de sua vida nos EUA.

Compromisso social

Já as duas últimas defendem a importância da folha de coca para a cultura andina e denuncia a ação da D.E.A (Drug Enforcement Administration, a agência anti-drogas estadunidense) na Bolívia, que trouxe como conseqüência a criminalização da coca e de seus cultivadores.
O Atajo participou, ainda, da campanha à presidência de Evo Morales, em 2006. Para os componentes da banda, que afirmam que mais do que o apoio a uma pessoa, foi um apoio a um processo de mudanças, o artista deve ter compromisso social e político. “Alguns se queixam de estarem em um sistema com o qual não estão de acordo, mas, se não dizem nada contra isso, são cúmplices, parte disso. Acho importante que o músico diga o que pensa, não só a nível social, mas também pessoal”, opina Panchi.
Quanto aos dois anos de governo Evo, o compositor do Atajo diz que não culpa o presidente por ainda não ter solucionado os problemas. “É duro fazer isso num país podre. O indígena sempre foi considerado um inseto. Vem sendo a merda, o pária de nossa sociedade. Agora, é difícil para o poderoso aceitar um índio no governo”.

Em www.atajo.org, é possível conferir todas as letras do grupo e até baixar alguns CDs e músicas.

LETRAS

Ay! Mamita (Pachamama) / Ai! Mãezinha (Mãe-terra)
Letra e música: Panchi Maldonado

Ay! mamita me duelen los ojos
de ver como te manchan con sangre
se callaron a más de ochenta personas
que el gringo ha mandado a matar
goni go home!
ay! mamita tengo los oídos confundidos
de escuchar tanta porquería
cuando el caballero se va a justificar
del uso de bala a la turba
zorro cabrón!

Ay! Mamita te pido perdón
por las cosas que pasan en tu vientre
ay! mamita canto esta canción
a esa gente que dio su ejemplo y su vida
ay! mamita recíbelos
queremos vivir mejor
ay! mamita me tiemblan las manos
de un presidente y sus dos promesas
defendió con las armas su democracia
luchó contra la pobreza,
goni cumplió!
ay! mamita aún me queda el corazón
mi guitarra y mi voz al viento

---

Ai! Mãezinha, meus olhos doem
de ver como te mancham de sangue
calaram a mais de oitenta pessoas
que o gringo mandou matar
goni go home!
Ai! Mãezinha, tenho os ouvidos confundidos
de escutar tanta porcaria
quando o cavalheiro vai justificar
o uso de bala contra a turba
puto sacana!

Ai! Mãezinha, te peço perdão
pelas coisas que acontecem em seu ventre
Ai! Mãezinha, canto esta canção
a essa gente que deu seu exemplo e sua vida
Ai! Mãezinha receba-os
queremos viver melhor
Ai! Mãezinha minhas mãos tremem
por causa de um presidente e suas duas promessas
defendeu com as armas sua democracia
lutou contra a pobreza
Goni cumpriu!
Ai! Mãezinha, ainda me resta o coração
meu violão e minha voz ao vento

Que la D.E.A. no me vea / Que a D.E.A não me veja
Letra e música: Panchi Maldonado

Que la d.e.a. no me vea que me causa estrés
y es mas el abuelo me enseño a pijchar
y es mas el hambre me hace olvidar
y es mas el akulliku no se perderá
y es mas el cansancio me lo va quitar
que la d.e.a. no me vea que me causa estrés
que la d.e.a. no me vea

No mates al cocalero
la coca no es cocaína
no acoses al cocalero
la coca es milenaria
Yankee mother fucker green go!
yankee mother fucker go home!
que la d.e.a. no me vea que me causa estrés////
que la d.e.a. no me vea
Que la d.e.a. no me green go!
que la d.e.a. no me go home!

---

Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
E tem mais, meu avô me ensinou a pijchar [mascar coca, em quéchua]
E tem mais, me faz esquecer da fome
E tem mais, o akulliku [mascar coca, em aymara] não se perderá
E tem mais, me vai tirar o cansaço
Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
Que a D.E.A não me veja

Não mate o cocalero
A coca não é cocaína
Não acosse o cocalero
A coca é milenar
Yankee mother fucker, green go!yankee mother fucker, go home!
Que a D.E.A não me veja que me causa estresse
Que a D.E.A não me veja

Que a D.E.A não me… green go!
Que a D.E.A não me… go home!

-----

Reggae de los lustras / Reggae dos engraxates
Letra e música: Panchi Maldonado

Ya es muy temprano quisiera seguir
durmiendo un ratito pero hay que salir
además si tardo ya pueden venir
esos señores de verde
que nos pegan y nos queman

Recojo mi caja sigo a ese señor
sus zapatos sucios le limpio por favor?
él me dice bueno de muy mal humor
así que saco un buen lustrey empiezo el día (aha)

Y digo popopopo popopo por eso, yo hago eso
Popopopo popo por eso, por ganarme un peso
Pero hay gente que se sigue olvidando
Que nuestros estómagos nos piden rancho
Y que también somos seres humanos
(de carne y hueso)

A veces clefeamos o nos tomamos un trago
y aunque no creannos olvidamos del mundo por un rato
uoyo, uoyoyoyo...
Rastaman is the way oh is the way
rastaman is the way oh is the way
rastaman provied the bread

---

Já é muito cedo, queria continuar
Dormindo um pouquinho, mas é preciso sair
Além disso, se demoro, já podem vir
Esses senhores de verde
Que nos batem e nos queimam

Pego minha caixa, me dirijo a esse senhor
Seus sapatos sujos, os limpo, por favor?
Ele me diz “tudo bem” de muito mal humor
Assim que consigo uma boa engraxada
E começo o dia (aha)

E digo popopopo popopo por isso, eu faço isso
Popopopo popo por isso, para ganhar um peso
Mas há pessoas que continuam esquecendo
Que nossos estômagos nos pedem comida
E que também somos seres humanos
(de carne e osso)

Às vezes cheiramos cola ou tomamos um trago
E mesmo que não acreditem
Esquecemos do mundo um pouco
uoyo, uoyoyoyo...
Rastaman is the way oh is the way
rastaman is the way oh is the way
rastaman provied the bread

A arte engajada

Algunas participações de Atajo em eventos políticos:

2006: Participação em disco de apoio à candidatura de Evo Morales à presidência.

Abril de 2005: Semana de ação mundial por um comércio justo e solidário (Campanha continental contra a Alca/ Movimento Boliviano contra a Alca e o TLC). La Paz.

Outubro de 2004, Novembro de 2005 e Janeiro de 2006: Campanha Coca e Soberania (Primeira Feira pela Despenalização da Folha de Coca).

Outubro de 2004: Feira Cultural em Homenagem aos caídos de outubro de 2003. La Paz.

Dezembro de 2003: Concerto pelos Direitos Humanos, promovido ela Assembléia Permanente de Direitos Humanos da Bolívia.

Novembro de 2003: Concerto em benefício de viúvas e órfãos dos acontecimentos de outubro de 2003. La Paz.

Um comentário:

Daniel disse...

traz um cd deles para mim?