Não poderia existir melhor expressão para caracterizar a oligarquia de Santa Cruz do que “barões do oriente”. Saiu na semana passada um livro muito bom sobre a elite cruceña, chamado, justamente, “Barones del Oriente”. Mas seus autores (já os entrevistei, deve ser publicado nos próximos dias) não escolheram o nome como uma forma de azucrinar o pessoal de lá. Ao contrário, a opção foi feita sobre bases históricas, políticas, econômicas e sociológicas.
É muito simples. Eles afirmam que o processo de constituição dessa elite é muito semelhante ao dos chamados “barões do estanho”, a oligarquia mineradora, baseada no ocidente, que controlou o país por quase todo o século XX.
A lógica é a mesma. Um modelo econômico extrativista (estanho no ocidente e borracha no oriente) e exclusivamente voltado ao mercado externo, gerando profundas desigualdades sociais. Ou seja, uma burguesia anti-nacional (qualquer semelhança com o agronegócio brasileiro não é mera coincidência).
O livro estuda a formação histórica da elite de Santa Cruz para analisar suas características atuais. E conclui que a lógica segue sendo a mesma (com a diferença que agora o ciclo é o da soja). E o que eles mais querem é manter esse poder gerado pelo modelo econômico.
Mas não desejam tomar o poder nacional. Seu objetivo central não é o Estado boliviano (mesmo porque não possuem apelo nacional). O que eles querem mesmo é criar um novo Estado dentro (ou fora) do boliviano. Ou seja, separatismo.
O estatuto autonômico de Santa Cruz, que deve ser aprovado em 4 de maio, é mostra evidente disso. Por ele, o controle sobre, por exemplo, a terra e os recursos naturais (em qualquer país do mundo, de competência do governo federal) será exercido pela região. Isso não é autonomia, é separatismo. Quer melhor forma para garantir intactos os latifúndios e a concentração de riquezas?
E, para manter toda uma população coesa em torno da luta autonômica, a oligarquia maneja muito bem o discurso regionalista e racista. Um dos capítulos do livro analisa esse discurso. Desde há muito tempo, o povo cruceño é bombardeado com a idéia de que o oriente majoritariamente mestiço sempre é prejudicado pelo ocidente indígena.
Conclusão: a luta não é de classe, e sim regional e étnica. Santa Cruz contra La Paz, mestiços contra indígenas. O que serve direitinho para encobrir as gritantes desigualdades sociais na região.
E o racismo é tão latente que o estatuto autonômico só reconhece os direitos (bem de leve, claro) dos cinco povos indígenas oriundos da região. Só que 40% da população indígena de Santa Cruz é formada por imigrantes que vieram do ocidente. Então, não haverá outro remédio que excluí-los, renegá-los, expulsá-los.
Um assunto atualmente em pauta por aqui também ajuda muito bem a expor o perfil da oligarquia cruceña. Há duas semanas que um grupo de fazendeiros de uma região de Santa Cruz simplesmente impede, à força, que o governo faça a vistoria de suas propriedades, para saber se cumprem ou não a função econômica e social.
A terra é o grande calcanhar de Aquiles da elite cruceña. Tanto que o governador, Rubén Costas, é criador de gado, e Branko Marinkovic, presidente do comitê cívico, é produtor de soja. E são os dois principais líderes da luta pela autonomia.
Além disso, cerca de mil famílias guaranis trabalham nessas fazendas em condições análogas à escravidão (o que mostra outra característica da elite local: a prática de um capitalismo colonial). As vistorias nessas terras que estão sendo impedidas pelos latifundiários têm como objetivo justamente sua distribuição para os camponeses guaranis.
Mas o duro mesmo é ler nos jornais a declaração do principal nome da Igreja Católica por aqui. O cidadão tem a cara-de-pau de dizer que o governo estava enganando o povo ao afirmar que em Santa Cruz há escravidão. Sendo que há inúmeros estudos, investigações e testemunhos que comprovam tal realidade. Bem, o que esperar da Igreja mesmo...
Quem tiver interesse no livro, pode baixá-lo neste site.
sexta-feira, 18 de abril de 2008
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