quinta-feira, 6 de março de 2008

A banalização da palavra “democracia”

Chega a ser ridículo a elite boliviana encher a boca ao falar em democracia para criticar o governo Evo. Embrulha o estômago. Mais ou menos igual ao Bush dizer que quer espalhar regimes democráticos pelo Oriente Médio.

A democracia a que eles se referem é muito clara. É aquela das transnacionais, dos latifundiários, dos grandes empresários. É a liberdade para os poderes político-econômicos. Enquanto isso, ao resto do povo sobra o “grande exercício democrático” de poder votar de tempo em tempo. E pronto. Que se dê por contente.

Agora há pouco, teve uma manifestação contra o governo numa praça perto de casa. O tema era a tal defesa da democracia. Umas 1500, talvez 2 mil pessoas, quase todas empunhando a bandeira boliviana.

No palanque, revezando-se ao microfone, oito pessoas. Todas brancas. Dentre elas, quatro mulheres, três delas loiras. Nada contra os brancos e os loiros, mas, num país onde 70% da população é indígena, tal estatística é sintomática. É muito óbvio que a gritaria da elite branca (lembrando o termo do Cláudio Lembo) vai contra os direitos que essa maioria historicamente excluída pode ganhar com a nova Constituição.

Entre 2006 e 2007, durante meses e meses, a direita fez o possível e o impossível para travar a Assembléia Constituinte (vale lembrar que 54% dos bolivianos votaram em Evo porque uma nova Constituição era das suas principais promessas). Aí, quando o MAS decide, diante do impasse nas negociações, impor sua maioria (tanto legislativa quanto popular) e aprovar a nova Constituição, chamam tal medida de ditatorial.

Depois, já em 2008, a direita, de novo, fez o que pôde para bloquear a convocação pelo Congresso de um referendo nacional para aprovar ou rejeitar o novo texto constitucional. Aí, quando o MAS decide, mais uma vez, fazer valer sua maioria e convocar a consulta (veja bem, não se impôs nada, apenas se transferiu a responsabilidade de decisão para o povo), mais acusações de “atropelo à democracia” e “autoritarismo”.

Tudo isso porque, além dos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição, o que mais pega mesmo é o artigo que proíbe o latifúndio e limita o tamanho da propriedade da terra. Ora, a concentração agrária no oriente do país é um dos principais fatores de poder da elite da Bolívia. Claro que eles vão defender com unhas e dentes o direito democrático de possuírem quanta terra bem entenderem, mesmo que seja às custas de milhões de camponeses famintos.

Afinal, democracia é isso. É garantir a liberdade do indivíduo, desde que ele tenha muito dinheiro.

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