Brasil de Fato, ediçao 352 (de 26 de novembro a 2 de dezembro de 2009)
Aminetu Haidar, ativista do Saara Ocidental, faz greve de fome na Espanha para poder voltar a seu país, ocupado desde 1975 pelo Marrocos
Igor Ojeda
da Redação
Aminetu Haidar tem 42 anos, mas aparenta se aproximar dos 50. Não é para menos. Já foi muito torturada. Permaneceu quatro anos detida em uma prisão secreta, sem contato com o mundo exterior. E já fez uma greve de fome de 45 dias, que deixou sequelas irreparáveis em seu organismo, como problemas na coluna e uma úlcera hemorrágica.
Por tudo isso, seu novo jejum, iniciado em 16 de novembro, pode lhe trazer consequências ainda mais graves. E ela está disposta, se necessário, a levá-lo até o fim. A única coisa que exige é voltar para casa.
Aminetu é saarauí. Ou seja, nasceu no Saara Ocidental, país do noroeste da África colonizado pela Espanha e que, desde 1975, é ocupado a ferro e fogo pela monarquia de Marrocos, para quem ela é, talvez, a maior pedra no sapato. Pois Aminetu luta há décadas pela independência e soberania de sua nação. Por optar pela via pacífica, é considerada por muitos como a “Mahatma Gandhi saarauí”.
Assim, algumas das principais armas são palestras e conferências no exterior, onde denuncia a opressão que sofre a população do Saara Ocidental. Na última de suas viagens, Aminetu foi a Nova York, no fim de outubro, para receber um prêmio por seu ativismo. Na volta, fez escala em Las Palmas e Madrid, onde trata a úlcera regularmente.
Ao regressar à El Aaiún, capital de seu país, decidiu agir como ela e outros independentistas sempre agem. No formulário de entrada, no espaço “País de residência”, escreveu “Sarra Ocidental”, em vez de “Marrocos”.
Já os funcionários da imigração não agiram como o usual. Em vez de riscarem o nome da nação ocupada e escreverem “Marrocos” por cima, resolveram detê-la. Depois de 24 horas presa, Aminetu foi mandada de avião, sem passaporte, para Lanzarote, nas Ilhas Canárias, na Espanha.
Greve de fome
Ao chegar lá, a primeira coisa que fez foi tentar pegar um vôo de volta, mas a polícia local não permitiu. Sua entrada no país ibérico fora autorizada mesmo sem passaporte, pois Aminetu portava um cartão de residência, concedido em 2006 para que ela pudesse ser tratada em Madrid das doenças das quais sofre. No entanto, sem passaporte, não pôde sair. Aminetu, que se diz “sequestrada” pela Espanha, deu um prazo para que sua situação fosse resolvida. Sem ser atendida, iniciou o jejum, no próprio aeroporto.
“Ela decidiu pela greve de fome porque não havia nenhuma solução até o momento para que voltasse ao Saara Ocidental. É uma medida de protesto”, explica, por meio de contato telefônico, o ator espanhol Guillermo Toledo, porta-voz da plataforma de artistas “Todos com o Saara Ocidental”, que atendeu a chamada destinada a Aminetu.
“Ela não está falando, está muito debilitada, quase não se escuta sua voz”, justifica ele, que está 24 horas por dia ao lado da ativista, como forma de solidariedade. Segundo Guillermo, as sequelas da primeira greve de fome de Aminetu torna “duplamente brutal” a atual. “Seu estado físico é muito precário”, conta.
A agência de notícias oficial do Marrocos informou que a detenção e posterior expulsão da militante saarauí por parte das autoridades do país se deu devido ao “rechaço em cumprir com as formalidades administrativas”, que consistiam em preencher a ficha de ingresso adequadamente.
Diante da repercussão internacional da medida extrema tomada por ela em Lanzarote, Marrocos e Espanha propuseram, cada um, sua própria solução para o caso. “O Ministério de Relações Exteriores [espanhol] propõe que ela receba o estatuto de refugiada, o que ela rechaça, pois isso a tornaria apátrida. Ou seja, ela nunca poderia voltar a seu país. O Marrocos propõe que ela tire outro passaporte. O que ela igualmente rechaça por já ter esse documento. A única solução que ela aceita é que a devolvam ao Saara Ocidental”, sentencia Guillermo.
História de luta
O título de “Mahatma Gandhi saarauí” encontra respaldo em sua história de militância pacífica pela soberania do Saara Ocidental. “É difícil resumir em poucas palavras a vida tão intensa e ativa dessa lutadora pelos direitos de seu povo que se foi convertendo, com o decorrer dos anos, em um símbolo da luta pela identidade e pelo reconhecimento político do povo saarauí”, diz, por correio eletrônico, Santiago Jiménez Gómez, responsável do Gabinete de Estudos e Comunicação Permanente da Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Saara Ocidental (CEAS).
Em 1987, aos 20 anos, após participar de uma manifestação em favor do respeito aos direitos humanos e à autodeterminação do povo saarauí, Aminetu, juntamente com outras 700 pessoas, foi presa pela polícia marroquina. Sem julgamento e sem direito a advogados, permaneceu encarcerada por quatro anos em centros secretos de detenção, onde sofreu inúmeras torturas e humilhações. Foi dada como morta por seus conhecidos.
“Me amarravam a uma mesa e colocavam, na minha boca, olhos e nariz, um pano impregnado de um líquido que cheirava à cândida. Também me davam chutes, me flagelavam com um cabo elétrico e, além disso, fui agredida por cachorros”, relatou ao jornal espanhol El País. Durante vários meses, teve que ficar sentada em um banco de um corredor, com os olhos vendados para, depois, finalmente, ser jogada em uma minúscula cela, que compartilhou com outras saarauís.
Após ser solta, Aminetu se converteu em “porta-voz contra as injustiças que se cometem contra seu povo, tanto dentro do Saara Ocidental como em contato com numerosas organizações internacionais”, lembra Santiago.
Em 2005, já com dois filhos (hoje, com 15 e 13 anos), foi presa novamente por participar de outra manifestação, ficando sete meses na chamada Cadeia Negra, de El Aaiún. Foi quando realizou sua primeira greve de fome, de 45 dias, por sua libertação e por melhores condições carcerárias. Ao sair, ganhou ainda mais projeção, interna e externamente.
Solidariedade e omissão
É por isso, por sua história, diz o ator Guillermo Toledo, que Aminetu Haidar foi expulsa do Saara Ocidental pelo governo marroquino e “sequestrada” pela Espanha. “A temem por sua forma de luta pacífica. Pelo massivo apoio que tem. Se ela fosse terrorista, jogasse bomba, perderia esse apoio”.
De acordo com ele, a solidariedade que a militante vem recebendo nos últimos dias é igualmente massiva. “Está vindo de todas as partes do mundo”. Nomes como os dos escritores José Saramago e Eduardo Galeano e do ator Javier Bardem já lhe enviaram mensagens de apoio.
“O único que não está solidário com sua causa – do contrário, vem atuando com profunda insensibilidade – é o governo espanhol. Atua desse jeito por causa das suas relações econômicas com o Marrocos. Para não pôr em risco essas relações com o regime marroquino, que é um regime que persegue, reprime, tortura, assassina. É uma atitude que causa surpresa, porque a Espanha costuma levantar a bandeira dos direitos humanos”, indigna-se Guillermo, para quem, ao impedir que Aminetu volte a seu país, a Espanha comete um delito internacional. “A atitude do governo é desprezível. Nenhuma membro dele, seja de baixo ou alto escalão, se dignou a telefonar para saber de seu estado de saúde”, protesta.
O fato é que, a cada dia sem solução, mais débil fica Aminetu, fazendo com que a possibilidade de um final trágico para essa história não seja descartada. Mas, caso isso ocorra, Santiago Jiménez avisa: “Se essa atitude a levar ao martírio, sua vontade de luta, sua memória e seu sentido de sacrifício habitariam o coração de cada homem e mulher, novos e novas Aminetu. Não contribuiria para apaziguar o conflito e duvido muito que as autoridades saarauís seriam capazes de acalmar a desesperação e a raiva coletiva”.
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A nova estratégia do rei
Expulsão de ativista pelo Marrocos vincula-se a uma “escalada” repressiva contra a luta da população saarauí por sua independência
da Redação
Militantes pela independência do Saara Ocidental veem a ação do governo marroquino contra a ativista Aminetu Haidar como parte de uma “escalada” na repressão que vem ocorrendo nos últimos meses.
Em 8 de outubro, por exemplo, sete membros de organizações de direitos humanos e da sociedade civil do Saara Ocidental foram presos quando regressavam ao seu país após uma visita aos acampamentos de refugiados saarauís de Tinduf, na Argélia, dirigidos pela Frente Polisario, articulação política e militar de independentistas do país do oeste africano.
Ahmed Alnasiri, Brahim Dahane, Yahdih Ettarouzi, Saleh Labihi, Dakja Lashgar, Rachid Sghir eAli Salem Tamek estão sendo acusados pela Justiça do Marrocos – subordinada ao rei, Mohamed VI –, entre outras coisas, de “colaboração com o inimigo” e ataques à “integridade territorial” marroquina. Devem ser julgados em breve por um tribunal militar, que pode, inclusive, condená-los à morte.
Para Santiago Jiménez Gómez, responsável do Gabinete de Estudos e Comunicação Permanente da Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Saara Ocidental (CEAS), tais argumentações não se sustentam, pois “é difícil acusar de traidores a quem não se consideram marroquinos”. Além disso, segundo ele, a própria ONU reconhece o Saara Ocidental como território “pendente de descolonização e submetido a Marrocos em virtude de conquista militar”.
Nova estratégia
Mas, na verdade, para a monarquia marroquina, pouco importa a solidez jurídica de suas acusações contra os sete militantes detidos. Segundo Santiago, tanto a prisão destes quanto a ação contra Aminetu Haidar são consequência de uma mudança na estratégia do país de Mohamed VI em relação ao Saara Ocidental.
Ainda de acordo com Santiago, o início de novas conversações e a nomeação de um novo enviado especial da ONU parecia indicar um período de distensão, esperança interrompida pelas ações de Marrocos. “Estou particularmente convencido, e tomara que me equivoque, que toda esta tensão crescente não é senão parte de uma estratégia com a qual o Marrocos tenta romper o ritmo da negociação, justificando, assim, que não há condições adequadas para continuá-las. Condições que o Estado marroquino contribuiu muito para criar”.
A tal mudança de estratégia foi confirmada em 6 de novembro, quando, em ocasião do 34º aniversário da “Marcha Verde”, manobra militar que permitiu a ocupação do Saara Ocidental, o rei marroquino pronunciou um discurso convocando a Justiça e as forças de segurança a atuarem com mais firmeza contra “os adversários da integridade territorial do Marrocos” e desbaratar “os complôs urdidos contra a 'marroquinidade' do nosso Saara”.
Isso, na opinião de Santiago, indica “uma mudança brusca e calculada de atitude que busca eliminar a liderança da resistência da população saarauí a seus invasores – com o encarceramento de boa parte de seus mais destacados dirigentes e a expulsão de uma personagem do valor simbólico de Aminetu Haidar – e amedrontar a população do Saara Ocidental ocupado”. (IO)
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Espanha: apoio e omissão
da Redação
“Vi muitas coisas ao longo da minha vida, mas nunca imaginei que o grau de cumplicidade do Estado espanhol com Marrocos chegaria tão longe”, disse à imprensa a ativista saarauí Aminetu Haidar, que iniciou greve de fome em 16 de novembro depois de ser impedida pela Espanha de retornar a seu país.
A colaboração do país ibérico com a monarquia marroquina, na verdade, vem sendo denunciada desde 1975, quando, por meio de um acordo secreto, o primeiro deixou o território saarauí livre para a entrada das tropas militares do segundo. Desde então, não importa a tendência do governo de turno, a Espanha segue com sua política de “olhos fechados” às violações dos direitos humanos da população do Saara Ocidental por parte do Marrocos.
“Alinhamento”
“[A Espanha executa] uma política cheia de declarações ambíguas e de fatos bem expressivos que evidenciam sua falta de neutralidade e seu alinhamento, às vezes quase submisso, às posições marroquinas”, protesta Santiago Jiménez Gómez, responsável do Gabinete de Estudos e Comunicação Permanente da Coordenadora Estatal de Associações Solidárias com o Saara Ocidental (CEAS).
Entre as “evidências” listadas por ele, estão a venda de armas a Marrocos, a prática da pesca em águas territoriais saarauís, negociada diretamente com a monarquia árabe, e as “gestões” por parte de personalidades políticas do governo para que o Saara Ocidental não seja reconhecido por alguns países da América espanhola.
Segundo Santiago, as motivações espanholas para manter tal apoio são muitas. Entre elas, destacam-se os interesses econômicos de investidores do país no Marrocos e o de “pessoas que condicionam sua capacidade de decisão sobre interesses coletivos à obtenção de benefícios individuais generosamente presenteados pela monarquia marroquina”.
“Tudo vale em um cambalacho onde a justiça, a legalidade, a equidade e a defesa do mais fraco não são cotizados a preço de mercado”, conclui. (IO)
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
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