sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Clóvis Rossi desinformado?

Houve um tempo, há uns dez, 12 anos, em que eu acreditava que o Clóvis Rossi era um bom jornalista, que escrevia para um bom jornal. Fazer o que, era menino, estudante, ingênuo... Não que eu não seja ainda ingênuo para muitas coisas, mas em relação à grande imprensa, deixei de o ser faz tempo.

Na minha concepção (e tenho certeza que na de muitos colegas e amigos), um bom jornalista deve tratar um fato dentro do seu devido contexto. Descontextualizar uma notícia é mau jornalismo, seja por desinformação, seja por má-fé. Ok, mesmo os jornalistas podem estar desinformados em relação a determinado assunto. Acontece.

Mas será que o Clóvis Rossi é ou está realmente desinformado sobre a Colômbia?

No dia 11, ele escreveu, na Folha Online, um artigo cujo título é "Chamem o rei" (que pode ser lido aqui), onde diz que é preciso chamar o rei da Espanha pra mandar o Chávez se calar outra vez.

Tudo bem, o Chávez muitas vezes se excede na retórica. É bobo, histriônico, garganteiro. Mas não deixa de ser curioso que o colunista tenha escolhido esse aspecto como o mais relevante para comentar a tensão entre Colômbia e Venezuela causada pelo acordo das bases estadunidenses no país governado por Uribe. Tudo bem, é uma prerrogativa do jornalista: a hierarquização da informação.

Mas, em certo momento, ele lança a seguinte pérola:

"Afinal, ao receber o presidente colombiano Álvaro Uribe em São Paulo, faz pouco, Lula disse de público que acredita nas juras dele e de Barack Obama de que as bases colombianas que os Estados Unidos estão autorizados a utilizar servirão apenas para os fins anunciados (combate ao terrorismo e ao narcotráfico, hoje umbilicalmente ligados). Se é assim, não há razão para os tambores de guerra, que Chávez começou a tocar".

Então está combinado. Se Obama garantiu, Uribe confirmou, e o Lula acreditou, não há nada porque se preocupar! Será que o Clóvis Rossi, um jornalista que cobre assuntos internacionais há décadas, é mesmo tão ingênuo assim?

Tudo bem. Vamos supor que sim, que Clóvis Rossi realmente seja tão ingênuo assim.

Mas será que ele não ficou sabendo do documento do Pentágono enviado ao Congresso para justificar o acordo das bases, que diz textualmente que elas servirão, entre outras coisas, para conter "a ameaça constante de governos anti-estadunidenses"? Se não soube, então é melhor ele exercer melhor seu jornalismo. Se soube, por que não o mencionou?

Além disso, o colunista parte do pressuposto que "os fins anunciados" pelo acordo entre EUA e Colômbia (o combate ao "terrorismo e ao narcotráfico") se justificam por si só. Portanto, não devem ser questionados.

Será que o Clóvis Rossi desconhece as toneladas de estudos, investigações, denúncias etc etc que mostram (para não dizer provam) que o tal combate ao terrorismo e ao narcotráfico na Colômbia serve de pretexto para prender, torturar e matar líderes sindicais, indígenas e comunitários que não têm nenhuma relação com a guerrilha ou com o tráfico? Para que estas indesejáveis lideranças abram espaço para as transnacionais poderem explorar à vontade as terras e os trabalhadores colombianos?

Será que ele nunca ouviu falar do amplamente utilizado (e denunciado) "falso positivo", ou seja, a contabilização de assassinatos de líderes sociais, pelo Estado, na conta de baixas das Farc?

Há uns dois anos, a Comissão Colombiana de Juristas apresentou um informe sobre a situação dos direitos humanos no país. Os números, referentes ao período de junho de 2002 a julho de 2006, são emblemáticos: 11.292 pessoas haviam sido mortas fora de combate. Desses assassinatos, o Estado havia sido o responsável por 75.1%. Além disso, enquanto a guerrilha havia assassinado, em média, 397 pessoas a cada ano, os paramilitares tinham matado ou sumido com 1.060 pessoas por ano, em média.

De maneira alguma se pode eximir a guerrilha pela violação dos direitos humanos. Mas não se deve ignorar o fato de que o Estado e os paramilitares matam muito mais, sempre sob o pretexto de "combate ao terrorismo e ao narcotráfico". Clóvis Rossi, pelo jeito, nunca leu nada a respeito. Será mesmo?

Hoje, segundo o Comité de Solidaridad con los Presos Políticos (CSPP) de Colombia, existem nada menos que 7 mil presos políticos no país. A grande maioria deles são justamente líderes sociais acusados de serem parte da guerrilha, como é explicado nesta entrevista. Isso com a ajuda do Plano Colômbia. Ou seja, dos EUA.

Mais: um relatório (a notícia pode ser lida aqui) lançado no mesmo dia 11 em que Clóvis Rossi escreveu seu artigo, elaborado pela Coalizão Colombiana Contra a Tortura (CCCT), mostra que, "entre julho de 2003 e junho de 2008, pelo menos 899 pessoas foram vítimas de tortura, sendo que, destas, 229 sobreviveram, 502 foram assassinadas e 168 sofreram tortura psicológica".

Segundo o estudo, o responsável pela imensa maioria dos casos é o Estado (isso mesmo, o Estado) colombiano. Das 666 ocorrências de tortura cujo autor se conhece, 50,6% foram cometidas por agentes estatais, enquanto 42% foram perpetradas por paramilitares, com a "omissão, tolerância, aquiescência ou apoio" por parte do mesmo Estado.

Isso tudo com apoio, treinamento e financiamento estadunidense, através do Plano Colômbia. E que será certamente reforçado pelo acordo das bases fechado recentemente.

Será mesmo que o jornalista Clóvis Rossi não tem conhecimento disso?

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