segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Battisti nas mãos de Lula

Abaixo, uma entrevista sobre o caso Battisti com Carlos Lungarzo, militante de direitos humanos, e um artigo do jornalista Sebastião Nery sobre a conjuntura na Itália dos anos 70 e 80.

“O julgamento de Cesare Battisti é uma farsa”

Para Carlos Lungarzo, membro da Anistia Internacional, processo no STF sobre extradição de ex-guerrilheiro baseia-se em “fraude” iniciada na Itália

Dafne Melo
da Redação

A longa espera do escritor italiano Cesare Battisti poderá chegar ao fim no dia 12 (dia da veiculação desta edição), quando o Supremo Tribunal Federal (STF) dará prosseguimento ao julgamento de pedido de extradição feito pelo governo da Itália. Na primeira audiência, quatro ministros votaram a favor da extradição e três contra. Marco Aurélio de Mello pediu vistas, o que paralisou o processo.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Carlos Lungarzo, militante de direitos humanos, membro da Anistia Internacional dos Estados Unidos e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que Mello certamente irá votar contra a extradição.

Resta ainda a dúvida se o mais novo membro da casa, José Antonio Dias Toffoli, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, irá votar ou não. “Tenho expectativas moderadamente otimistas”, diz Lungarzo, que prepara um livro sobre o caso Battisti, ainda sem previsão de lançamento.

Cesare Battisti foi preso em 2007 no Brasil. Militante da organização italiana Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) entre 1976 e 1978, é detido em 1979 e condenado, dois anos depois, a 12 anos de prisão por ocultar armas e formação de bando armado. Foge, então, para o México, depois França. Em 1993, na Itália, é acusado e condenado à prisão perpétua por quatro homicídios. Battisti, em entrevistas à imprensa, defende- se das acusações e diz que não era um “militante militar”, ainda que tenha participado de assaltos à mão armada para financiar as atividades de sua organização.

Seus defensores apontam uma série de contradições e irregularidades que põem em dúvida a legitimidade de seu julgamento. Nenhuma testemunha o teria reconhecido. Além disso, o processo de 1993 contou com depoimentos de ex-militantes que receberam benefícios através da “delação premiada” ou que deram as declarações sob tortura. Segundo Lungarzo, não há uma única prova concreta, e o réu foi julgado à revelia. O fato mais contraditório é que Battisti foi condenado por dois homicídios que ocorreram no mesmo dia, um em Milão, às 15h e outro em Mestre, às 16h50. A distância entre as cidades é de 275 quilômetros, aproximadamente. Leia a seguir a entrevista com Carlos Lungarzo.

Brasil de Fato – Quais são suas expectativas em relação ao julgamento do dia 12 de novembro?

Carlos Lungarzo – Tenho expectativas moderadamente otimistas. A votação está quatro a favor da extradição e três contra. Com o voto do ministro Marco Aurélio de Mello, que certamente votará contra a extradição, teremos um empate. De acordo com o regimento interno do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente, nesse caso, o Gilmar Mendes, não pode dar o voto de minerva, salvo fosse um assunto de grande repercussão pública. Se o regimento for respeitado por Gilmar Mendes, o empate favorece Cesare Battisti. Mas todos nós sabemos que, apesar do STF ter algumas figuras boas, Mendes e Cesar Peluso, o relator do caso, atuam de maneira muito arbitrária. Isso é perigoso e talvez não se possa manter o equilíbrio necessário. Outra possibilidade é que outros ministros entrem para votar e há, possivelmente, um ministro que teria dito que pode mudar seu voto. Então, sou moderadamente otimista.

O senhor poderia fazer um resgate do caso Battisti?

Ele foi capturado por uma operação conjunta da Polícia Federal brasileira, serviço secreto italiano e Interpol, em 18 de março de 2007. Imediatamente após ter conhecimento do fato, o governo italiano pediu sua extradição, que começou a ser tramitada. Porém, a Itália não a fez conforme as regras, ou seja, através do Ministério das Relações Exteriores [Itamaraty]. Eles foram direito ao STF, numa postura petulante do governo italiano, que demonstrou menosprezo pelo governo brasileiro. Então, em janeiro deste ano, o ministro Tarso Genro deu a Battisti a condição de refugiado pela lei 9474/1997 [que versa sobre concessão de refúgio]. No artigo 33, há a definição de que o reconhecimento da condição de refugiado, que é dada pelo Executivo, impede qualquer pedido de extradição. Ou seja, no momento em que Tarso Genro concedeu o refúgio, o processo de extradição se extinguiu. O STF, entretanto, decidiu aceitar o pedido do governo italiano, mas, a rigor, esse processo não existe, foi eliminado. Três ministros, inclusive – Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carmen Dulce, que votaram contra a extradição – disseram que o processo estava prejudicado.

Por isso o julgamento é ilegítimo?

Sim, é uma farsa. E a fraude começa no processo de Battisti na Itália. As dez testemunhas são familiares das vítimas que sequer reconheceram Battisti em fotos. Só não é familiar uma delas, Rosana Trentin, que afirma que viu um casal que poderia ser Battisti e sua namorada, mas não sabe explicar muito o que viu, se mataram alguém ou não. Além disso, há três crianças dentre as testemunhas. Provas materiais não há nenhuma, nenhum laudo técnico. Sua condenação, em 1993, também se deu com depoimentos de militantes que colaboraram com a Justiça, utilizando o recurso da “delação premiada”. Pietro Mutti, na Itália, atribuiu a ele uma série de assassinatos. Foi uma delação premiada, sua pena foi de perpétua para oito anos. Outro delator teve redução de dois terços na pena e outros dois assinaram sob tortura. No meu livro, há uma parte em que transcrevo o comentário de um deles, que afirmou ter resistido tudo o que pôde e que acabou assinando o que a polícia lhe exigiu.

E o STF aceita essas afirmações para dizer que é crime comum e não político?

Aqui no Brasil, diria que o relatório do STF é ainda pior, pois toma todos essas acusações falsas da Justiça italiana e ainda acrescenta suas próprias ideias, dizendo que Battisti tem “estilo sanguinário” e todo tipo de preconceito. Enfim, não se sabe exatamente o que está por trás disso, mas sabe-se que quando o julgamento foi divulgado, um ex-embaixador da Itália reuniu-se sigilosamente com o Gilmar Mendes e ninguém sabe uma linha do que eles conversaram.

Por que o governo italiano quer prender Battisti de qualquer maneira?

Lá há uma sede de vingança muito grande em relação ao que se aconteceu há 30 anos, nos “anos de chumbo”. Há um caso famoso, em 1980, em que um grupo que era da direita fascista – no qual estava o atual ministro da Defesa italiano [Ignazio La Russa] – colocou explosivos em um trem em Bolonha que mataram 84 pessoas e feriram 200. Como houve acomodação jurídica, nunca se soube se eles eram culpados ou não. Mas os familiares das vítimas e algumas pessoas atribuem o atentado à esquerda: “ah, isso é coisa das Brigadas Vermelhas”. Tentam achar um bode expiatório. Então, junta a sede de vingança, com falta de informação e necessidades políticas do governo italiano – não só da parte de Silvio Berlusconi [primeiro-ministro italiano].

O governo italiano pode ter a intenção de, a partir desse caso, gerar algum tipo de jurisprudência para pedir extradição de outros militantes que estão aqui no Brasil?

Certamente, isso é um balão de ensaio. Se Battisti for extraditado, eles não vão parar por aí. Existem uns 600 italianos dos “anos de chumbo” refugiados no Brasil. Acredito que é um plano para usar isso como propaganda. Mais que isso, se eles concedem extradição, todo sistema de concessão de refúgio do Brasil cai por terra.

A Itália tem fama de dar péssimo tratamento a seus presos políticos. Isso poderia pesar na decisão?

Só neste ano, 62 presos políticos se suicidaram nas prisões da Itália. Nos últimos nove anos, a média tem sido essa. No total, parece que nesse tempo cerca de 500 já cometeram suicídio. Há juízes em diversos lugares do mundo que se recusam a extraditar italianos devido às péssimas condições do sistema carcerário. Teve uma juíza americana que se recusou a mandar um mafioso porque disse que a prisão italiana era o caminho para a morte.

Qual é o contexto histórico do surgimento dos grupos armados de esquerda na Itália, na década de 1970?

A história começa com o fim da fascismo na Segunda Guerra Mundial. Os EUA estavam muito preocupados com o crescimento de partidos de esquerda na Europa. E eles tinham crescido mesmo. O Partido Comunista Francês era muito forte, e o da Itália era o que mais tinha filiados em toda a Europa. Então, tinha um plano que juntava a CIA, o Tratado do Atlântico Norte [Otan], setores da Igreja Católica e da máfia, a direita do Partido Democrata Cristão e, sobretudo, setores do Exército. Formaram um rede que atuou em toda Europa, mas na Itália foi muito forte, onde foi chamada de Operação Gladio, que passava pelo terrorismo de Estado. Eles começaram, a partir de 1969, a fazer uma série de atentados grandes, como bombas em lugares públicos. A primeira foi na praça Fontana, em Milão. Até esse momento, não havia esquerda armada na Itália, com exceção de uma divisão de autodefesa do Partido Comunista, que era formada com armas que usaram para combater na Segunda Guerra, contra os fascistas. Aí, nos anos 1970, aparecem as Brigadas Vermelhas, que aos poucos vai ficando cada vez mais violenta. E aí vão surgindo muitos grupos, dentre eles o de Battisti, o PAC. No geral, apoiavam greves, faziam propaganda e não eram muito violentos. Até que em 1978 decidiram matar um torturador da prisão de Udine. Battisti saiu do PAC logo após esse assassinato, justamente porque tinha críticas a essas ações violentas. Aí foi quando fugiu para o México.

Battisti sempre negou os crimes atribuídos a ele?

Há 18 anos ele nega, negou sempre. Desde que trabalho com direitos humanos, nunca vi alguém negar um crime por tanto tempo.

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A cabeça de Battisti

Sebastião Nery

Em junho de 1982, foi encontrado estrangulado em Londres, embaixo da “Blackfriars Bridge” (“a Ponte dos Irmãos Negros”), o banqueiro italiano Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, que acabava de quebrar, e tinha como diretores o cardeal Marcinkus, o conde Umberto Ortolani e o chefe da P-2 italiana (maçonaria), Licio Gelli. Nos dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados varios outros ligados a Calvi. Não é só na Santo André paulista que se limpa a área. No meio da confusão estava o conde papal Umberto Ortolani, um dos quatro “Cavaleiros do Apocalipse”. Quando, a partir de 90, a “Operação Mãos Limpas” chegou perto deles, o conde, banqueiro do Vaticano e diretor do jornal “Corriere de La Sera”, depois de mais um magnífico almoço com Brunello di Montalcino, mostrava-me Roma lá de cima de sua mansão no Gianiccolo e me dizia : - Isso não vai acabar bem.

MÁFIA

Depende o que é acabar bem. O Ministério Publico e a Justiça enfrentaram a aliança satânica, que vinha desde 1945, no fim da guerra, entre a Democracia Cristã e aliados e a máfia italiana. Houve centenas de prisões, suicídios. Nunca antes a máfia tinha sido tão encurralada e atingida. Responderam com atentados e bombas, detonando carros e assassinando procuradores, juízes e a esquerda radical. Os grandes partidos (a Democracia Cristã, o Socialista e o Liberal) explodiram. O Partido Comunista, conivente, desintegrou-se. E meu amigo conde, condenado a 19 anos, morreu em 2002, aos 90 anos.

"FORTES PODERES"

O banqueiro, o maçon, o cardeal e o conde eram uma historia exemplar do satânico poder dos banqueiros, mesmo quando, como ele, um banqueiro de Deus, vice-presidente do banco Ambrosiano do cardeal Marcinkus, que fugiu para os Estados Unidos e nunca saiu de lá. Os que criticam, sem razão alguma, o ministro Tarso Genro, por ter dado asilo político ao italiano Cesare Battisti, deviam ler um livro imperdível : “Poteri Forti” (“Fortes Poderes, o Escândalo do Banco Ambrosiano”), do jornalista italiano Ferruccio Pinotti, abrindo as entranhas do poder de corrupção do sistema financeiro, de braços dados com governos, partidos, empresários, maçonaria e mafia.

"MÃOS LIMPAS"

A “Operação Mãos Limpas” não teria havido se um punhado de bravos jovens, valentes e alucinados, das “Brigadas Vermelhas” e dos “Proletarios Armados pelo Comunismo” (PAC), não tivesse enfrentado o Estado mafioso, naquela época totalmente comandado pela máfia. O governo, desmoralizado, usava a máfia para elimina-los. Eles reagiam, houve mortos de lado a lado e prisões dos principais lideres intelectuais, como o filósofo De Negri (asilado na França) e o romancista Cesare Battisti, tambem exilado na França e agora preso no Brasil. Eu estava lá, vi tudo, escrevi. Quando cheguei a Roma em 90 como Adido Cultural, a luta ainda continuava, sangrenta, devastadora. Foram eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 e 80, que começaram a salvar a Italia. Se não se levantassem de armas na mão, a aliança Democracia Cristã, Partido Socialista, Liberais e Máfia estaria lá até hoje. Berlusconi é o feto podre que restou e um dia será extirpado...

BERLUSCONI


O ex-presidente da França, Jacques Chirac, corrupto com atestado publico, a pedido de Berlusconi retirou o asílo politico de Battisti e o Brasil lhe deu. Tarso Genro está certo. O problema foi, era, continua político. O fascista Berlusconi (primeiro-ministro) é apoiado pelos desfrutaveis ex-comunistas Giorgio Napolitano e Massimo d`Alema, que se esconderam quando o juiz Falcone foi assassinado e o procurador Pietro, hoje no Parlamento, comandou a “Operação Mãos Limpas” Não têm autoridade nenhuma. Por que não devolveram Caciolla, o batedor de carteira do Banco Central, quando o Brasil pediu? As Salomés de lá e de cá querem entregar à máfia a cabeça de Battisti.

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