Uma das principais notícias internacionais do dia (senão a principal) vem sendo praticamente ignorada pelos meios brasileiros online. A Comissão de Direitos Humanos da ONU endossou um relatório que acusa o governo de Israel de praticar crimes de guerra durante os ataques à Faixa de Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro deste ano.
A decisão é histórica. Desde sua criação, em 1948, Israel utiliza seus aliados (os EUA, principalmente) para barrar qualquer resolução da ONU que condene seus crimes contra os palestinos. Por isso que a de hoje é de extrema relevância.
É até cansativo falar sempre a mesma coisa, mas, como habitual, a mídia brasileira não faz jornalismo. Pelo que pude acompanhar, a Folha Online deu a notícia com pouco destaque, e algumas horas depois ela já tinha sumido da home. O Estadão é o único que deu com algum destaque, e a mantém durante todo o dia. De resto, não achei a notícia em nenhum portal ou site de jornalões que entrei.
Como a ONU acusa um Estado (e um Estado central na geopolítica mundial) por crimes de guerra e a imprensa brasileira não dá a devida importância? É um verdadeiro mistério. Ou não.
Mesmo o Estadão, que vem dando algum destaque para o fato, o apresenta com o título: "ONU culpa Israel e Hamas por mortes em Gaza". Sim, é verdade que o relatório endossado pela ONU também acusa o grupo islâmico palestino por crimes de guerra, mas deixa claro a desproporção das ações. Ou seja, o título do Estadão dá a falsa ideia de que foi uma "guerra" simétrica, escondendo o fato de que morreram quase 100 vezes mais palestinos (cerca de 1200 contra 13).
Imprensa à parte, só resta esperar que tal decisão sejá de fato efetiva: Israel ser processado pelo Tribunal de Haia ou as próprias instituições israelenses investigarem o ocorrido, como recomenda o relatório. Infelizmente, é provável que nada disso aconteça.
Pior: embora histórica, a decisão da ONU corre o risco de voltar os holofotes (mesmo que inócuos) apenas para os eventos de dezembro e janeiro, enquanto as seis décadas de opressão contra os palestinos continuem sem ser qualificadas como deveriam: crimes de guerra.
Resta esperar também os efeitos da resolução da ONU na conjuntura interna palestina. A princípio, o Fatah sai fortalecido. Por um lado, conseguiu articular, por meio da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que controla, a aprovação do relatório condenando Israel, o que o deixa com alguma moral frente à população local. Por outro, condena, igualmente, o inimigo mortal Hamas.
Assim, a disputa interna pode pender mais pro lado do Fatah, grupo secular e mais, digamos assim, ocidental. Mas o tiro pode sair pela culatra, pois o arqui-rival continua gozando de muita popularidade entre os palestinos, principalmente em Gaza. Estes, portanto, não perdoarão o trabalho feito pela ANP na ONU para aprovar o relatório.
Por sua parte, os EUA, assim como a mídia brasileira, segue cumprindo o mesmo papel. Um dos seis votos contrários ao relatório foi justamente do país governado pelo atual Nobel da Paz. As palavras do embaixador estadunidense na ONU, Douglas Griffith, não deixam dúvidas de que a política externa de Obama não é muito diferente da de Bush (é, sim, mais inteligente e sutil): "Havíamos trabalhado por uma resolução que reconhecesse o direito de um Estado a efetuar uma ação legítima para proteger seus cidadãos diante de ameaças a sua segurança e que, ao mesmo tempo, condenasse as violações do direito internacional independentemente de que as cometam. Lamentávelmente, esta não é a resolução que temos".
Obama pode até ter boas intenções, mas não é mais forte que o lobby sionista existente dentro de seu país. Só isso explica a retórica extremamente belicista do presidente contra o Irã. Não que os EUA não tenham motivos para, eventualmente, atacar o país de Ahmadinejad, como o financiamento iraniano de parte da resistência iraquiana à ocupação e o controle sobre vastas reservas de petróleo e gás.
Mas uma ação militar dessa proporção por parte dos EUA, no momento atual, seria um desastre (embora possa servir para a retomada da economia estadunidense) e só serviria para conter a "ameaça" iraniana a Israel.
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
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