Se tivéssemos realmente liberdade de imprensa e de expressão no Brasil, a destruição dos pés de laranja da Cutrale pelo MST seria louvada, e não condenada, como vem sendo feito. Claro, a imagem chega a ser chocante, afinal, são árvores sendo derrubadas. Árvores, além de tudo, frutíferas.
Mas, a mídia brasileira, que tanto terrorismo em cima disso vem fazendo, deveria fazer um mínimo de jornalismo e:
1) Divulgar os inúmeros estudos que comprovam que a monocultura, qualquer monocultura, degrada o solo, impede qualquer cultivo posterior e causa profundos desequilíbrios nas faunas e floras locais;
2) Mandar um reporterzinho que fosse para esses locais afim de comprovar tais efeitos;
3) Fazer matérias sobre o modus operandi das transnacionais do agronegócio, que, em regra (e não exceção), super-exploram seus trabalhadores (inclusive a Cutrale), usam toneladas e toneladas de agrotóxicos (que, os que não ficam nos alimentos que comemos, vão para os solos e rios), e danificam o meio ambiente com suas monoculturas;
4)Dar o devido destaque ao novo Censo Agropecuário, divulgado recentemente pelo IBGE, que mostra que a agricultura familiar é a que produz para o mercado interno e a que mais gera emprego no campo;
5) Fazer a ligação elementar entre a concentração de terra e a migração do campo para as periferias das grandes cidades e, mais recentemente, para as periferias das cidades de porte médio, como mostram outros estudos;
6) Mostrar como esse êxodo rural contribui para o crescimento do desemprego e violência nas cidades; mas, sobretudo...
7) Realizar um debate profundo sobre o que deveria ser o centro de toda a questão: a grilagem de terras por parte daqueles que são proclamados como o que há de mais moderno no campo.
Portanto, se a mídia brasileira fizesse jornalismo, ficaria claro para a sociedade que, no lugar de milhões de pés de laranja, que degradam o solo e destroem a fauna e a flora local, é milhões de vezes preferível plantar feijão, milho, batata e, por que não, alguns pés de laranja...
Ficaria claro, também, que, numa terra grilada por uma transnacional que super-explora seus trabalhadores, inunda suas laranjas, os solos e rios com agrotóxicos, e causa desemprego no campo, é milhões de vezes preferível que nela trabalhe algumas centenas de famílias, gerando mais emprego, enraizando a população no campo, preservando o meio ambiente e produzindo alimentos para o mercado interno...
Ou seja, a derrubada dos tais pés de laranja seria, como disse, louvada, e não condenada.
Abaixo, um comunicado do MST sobre o ocorrido:
Nota de esclarecimento sobre os recentes acontecimentos
13 de outubro de 2009
Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vêm repercutindo na mídia, a direção nacional do MST vem a público se pronunciar.
1. A nossa luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez mais concentrada em nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semana passada, revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras.
2. Há uma lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. No entanto, as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemos pressão por meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, que não cumprem a função social, como determina a Constituição de 1988.
A Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.
3. Também ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas, como acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresa Cutrale), no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso). São áreas que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas por grandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentar trabalhadores rurais sem terras.
4. Os inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios que aconteceram na fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, os movimentos sociais, impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses do agronegócio e dos que controlam a terra.
5. Somos contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada sempre pelos opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maior respeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos as ocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos, já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80 assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram alguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado de Carajás.
6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranja no mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área diversas vezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse crime cometido pela Cutrale.
7. Nós lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, que não representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causa da infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou da policia.
8. Os companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houve depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado.
9. Há uma clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores do Poder Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setores reacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Não admitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem.
Em períodos eleitorais, essas articulações ganham mais força política, como parte das táticas da direita para impedir as ações do governo a favor da Reforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interesses de classe.
10. O MST luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agrária popular e verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias de trabalhadores pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentar as manipulações dos latifundiários e de seus representantes na imprensa.
À sociedade, pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. No Brasil, há um histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grande mídia, para manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas e defender os interesses dos poderosos.
Apesar de todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente, das artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a Reforma Agrária será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades no campo. De nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres do campo e fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo à terra, educação e dignidade.
São Paulo, 9 de outubro de 2009
DIREÇÃO NACIONAL DO MST
terça-feira, 13 de outubro de 2009
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Um comentário:
Parabéns, é incrível como ninguem fala da terra grilada pela Cutrale. abs
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