Para (re) começar, nada melhor que falar de um episódio envolvendo um dos alvos preferenciais da imprensa brasileira: o MST. A grita agora é por causa da destruição de pés de laranja das terras griladas (isso mesmo: griladas) da Cutrale. Mais da ladainha de que é um ataque dos setores "atrasados" (os sem-terra) contra os setores "modernos" (o agronegócio).
Curioso que isso se dá apenas alguns dias depois da divulgação do novo censo agropecuário pelo IBGE. Pelo que pude acompanhar, a mídia apenas deu destaque ao fato da concentração de terra ter aumentado (claro, sem mostrar quais são as consequências disso, como o êxodo do campo para a cidade).
Mas alguns dados foram "escondidos", ou tiveram pouco destaque. No entanto, são fundamentais para o atual debate sobre a reforma agrária. São os que mostram que a agricultura familiar (a defendida pelo MST) é a que, de longe, mais produz alimentos para o consumo interno e a que mais gera empregos no campo. E isso sem o apoio adequado por parte dos órgãos públicos.
Por que a mídia não deu destaque a isso? Por que a mídia não mostra que o agronegócio gera pouco emprego e degrada os solos com suas monoculturas? Pelos mesmos motivos que faz campanha a favor da Cutrale. Para os donos da mídia, o direito à propriedade da terra (mesmo que fraudulenta) é sagrado, acima dos direitos de sobrevivência de milhares de trabalhadores rurais (contrariando, inclusive, nossa Constituição). Os interesses e valores dos donos da mídia são os mesmos que os das empresas do agronegócio, que, por sua vez, destinam milhões em publicidade para os meios de comunicação.
Os meios brasileiros nada mais são que laranjas do agronegócio.
Abaixo, um bom artigo sobre o tema, publicado na página do MST.
"5 mil pés de laranja valem mais que milhares de vidas!"
7 de outubro de 2009
Por Eduardo Camilo
Em novembro de 2004, quando militava no coletivo de Direitos Humanos do MST-SP e advogava no Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva, de Presidente Prudente, fui até a cidade de Iaras numa ocupação semelhante à que ocorre agora na cidade de Borebi.
Não era uma fazenda da Cutrale, mas a propriedade se dizia produtiva. Na ação, alguns trabalhadores rurais Sem Terra foram levados à delegacia para "averiguação" e eu me desloquei de Pirajuí, onde estava passando o final de semana com a família, para a delegacia de Iaras - onde pude realizar a soltura dos companheiros que se encontravam detidos.
Da delegacia rumamos para a fazenda, ocupada por cerca de 500 famílias. O cerco policial era grande e tentaram impedir minha entrada, porém fui liberado após uma longa negociação. Ao amanhecer do dia, cerca de 250 policiais da cavalaria e tropa de choque estavam no local pra realizar a desocupação da área (hoje isso se repete na fazenda de Borebi: PM chega à fazenda invadida por MST para cumprir reintegração de posse). Após um dia inteiro de negociações, conseguimos deixar a fazenda sem violência por parte da PM, mas depois de várias ameaças de prisão e do uso da força.
A região de Iaras, assim como a região de Araçatuba (ambas no interior de SP) é uma área de terras devolutas federais que, ao longo do tempo, foram griladas por latifúndios e que hoje pertencem fraudulentamente a empresas do agronegócio - que produzem especialmente cana, laranja e criam gado extensivamente. Desta forma, a ocupação dessas terras pelo povo nada mais é do que uma retomada justa. Não cabe aqui o argumento da produtividade, já que a posse da área é ilegal, baseada em documentos que carecem de autenticidade e que estão sendo objeto de ações judiciais para anulação.
A mídia transformou a ação numa bandeira de luta contra o movimento. E por que? Por um trator ter derrubado pouco mais de 5 mil pés de laranja? Não! a mídia ataca os trabalhadores pois eles tiveram a coragem revolucionária de arrancar da terra o câncer da monocultura do agronegócio e substituí-lo pela vida representada pelas sementes de feijão e milho. O que dói na mídia e no setor dominante não são míseros 5 mil pés de laranja (só esta fazenda tem 1 milhão de pés), mas sim a constatação de que os trabalhores não caem mais no conto da carochinha do agronegócio, que paga salários de miséria, mata trabalhadores de cansaço e ainda expulsa os pequenos agricultores de suas áreas. Em São Paulo existe uma lei que permite à Cutrale e a outras empresas do ramo invadir a casa de qualquer cidadão para cortar os pés de laranja e limão que estes por ventura tenham em suas casas. Segundo a lei, isso é feito em nome de uma defesa fitosanitária contra o cancro cítrico, mas é apenas mais uma forma de expropriar o povo de suas riquezas de biodiversidade e alimentos.
A mídia se escandaliza com pés de laranja sendo cortados e não se cansa de passar o mesmo filme do trator no laranjal, porém não deu qualquer notícia de cinco segundos da violência que sofreu a comunidade Apykay, do povo Guarani Kaiowá, que vivia em um acampamento às margens da BR-483, próximo ao município de Dourados, Mato Grosso do Sul, quando jagunços armados queimaram as casas e feriram um indígena a tiros. O episódio só foi para a mídia quatro dias depois do ocorrido, por conta de uma denúncia colocada na rede mundial de computadores por uma ONG internacional - e mesmo assim, não mereceu qualquer destaque, apenas uma breve chamada.
O INCRA, que trava batalha judicial pela área, presta um desfavor à luta do povo quando condena a ocupação desligitimando a luta em nome de uma estabilidade social e do respeito à propriedade privada. Propriedade esta que não foi respeitada pelos grileiros quando plantaram 1 milhão dé pés de laranja em terras da União. Estabilidade social que mata, escraviza e mutila os trabalhadores da indústria de sucos do interior de São Paulo.
Arrancar pés de laranja para plantar comida não é crime, crime é deixar milhares de hectares de terras públicas na mão de grileiros que plantam para os gringos e para seus animais comerem enquanto nossa população morre de fome: fome de comida e fome de JUSTIÇA!
Eduardo Camilo é advogado
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
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Um comentário:
Da mídia empresarial, representante da elite conservadora, não se podia mesmo esperar outra atitude do que usar fatos -- sejam eles quais forem -- contra movimentos legítimos como o MST. O que espanta é a defesa da "propriedade" de terras griladas, da monocultura (esse tipo de mídia, afinal, vive falando em sustentabilidade...) e o silêncio das autoridades em relação a isso. Todo apoio ao MST.
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