terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A farsa de Copenhague

Vamos falar claramente: a Cúpula de Copenhague é uma grande farsa.

Países ricos e emergentes (entre eles, o Brasil) fingem estar preocupados com a redução do aquecimento global. Bobagem. A questão é (como sempre) econômica. Querem mesmo é fazer as contas de quanto perderão em termos de crescimento de suas economias (crescimento, não desenvolvimento, que são coisas bem diferentes) com os cortes nas emissões de gás carbônicos.

O Brasil parece ser um dos mais espertos. Vê o aquecimento global como uma grande possibilidade de vender para o mundo seu modelo energético "limpo" (outra grande farsa) baseado em hidrelétricas e agrocombustíveis. Ou seja, mais bilhões de reais para construtoras, empresas eletrointensivas e agronegócio.

De quebra, espera ganhar outros bilhões com a também grande farsa do mercado de créditos de carbono.

Enquanto isso, os países pobres, os maiores prejudicados com o aquecimento, ficam como sempre. Sem voz nas grandes decisões sobre suas próprias vidas.

--

Abaixo, um artigo publicado no Brasil de Fato que desmistifica a "limpeza" da energia gerada pelas hidreléticas:

Energia limpa na Amazônia: um papo furado que emite metano

Admitir que as barragens produzem energia suja e contribuem significativamente nas emissões seria um tiro no pé, no momento que o país quer mostrar liderança mundial no combate ao aquecimento global


Kostis Damianakis

O Brasil, novamente estará em destaque mundial, desta vez, durante a Conferência do Clima em Copenhague, e com razão. O país tem a maior extensão de florestas tropicais do mundo e ao mesmo tempo o maior ritmo de desmatamento que contribui com mais de 50% nas emissões nacionais de gases do efeito estufa. Sendo o país o quarto maior emissor no mundo, o governo brasileiro chegou esta semana à capital Dinamarquês com a promessa de reduzir em 40% suas emissões até 2020. Para convencer que pode atingir sua meta ambiciosa e ao mesmo tempo continuar crescendo com índices de 4 a 6% na próxima década, utiliza com freqüência o argumento de que sua matriz energética se baseia, em grande parte, em fontes limpas e renováveis, como os agrocombustíveis e a hidroeletricidade.

Falso e ilusório

A noção que a energia hidrelétrica é limpa está embutida no subconsciente coletivo da humanidade há décadas. Obvio que ninguém vê chaminés acima dos lagos e nos muros das barragens ou fumaça saindo dos vertedouros e turbinas. No entanto, pesquisas científicas nas últimas duas décadas vêm apontando que as barragens contribuem significativamente na emissão de gases do efeito estufa. Em um artigo de 2007, cientistas do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) estimaram que as grandes barragens no mundo são responsáveis por mais de 4% das emissões globais enquanto a agroindústria contribui com 18% e o setor de transportes com 13%.

Principalmente em regiões tropicais as águas quietas dos lagos das barragens escondem verdadeiras fábricas de dióxido de carbono, óxido nitroso e metano; esse último tem 25 vezes maior impacto no efeito estufa do que o próprio dióxido de carbono. A floresta que fica submersa durante décadas e a vegetação que cresce nas margens do lago descobertas na época em que o reservatório está baixo, quando forem digeridos por bactérias emitem esses gases naturalmente. Também o alto teor em material orgânico dos rios que percorrem florestas como a Amazônica até serem barrados, ajuda na proliferação de algas e plantas aquáticas que por sua vez são decompostas por bactérias. É difícil conceber a magnitude das emissões, mas pesquisadores do Instituto de Pesquisas Amazônicas (INPA) têm mostrado que algumas das barragens da Amazônia como a de Curuá-Una (PA), e as desastrosas em termos sociais e ambientais Tucuruí (PA) e Balbina (AM), emitem mais gases do efeito estufa do que termelétricas a gás natural ou diesel com a mesma potência instalada.

No entanto, essas constatações científicas estão disputadas e desqualificadas numa campanha orquestrada por atores ligados à indústria de barragens e energia e setores do governo. A explicação é simples se considerarmos que as barragens na Amazônia, como os Complexos Hidrelétricos dos rios Madeira, Tapajós, Tocantins/Araguaia e Xingu são alguns dos principais pilares do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo deixa claro,desde o processo de licenciamento ambiental do Belo Monte até a implantação das hidrelétricas no rio Madeira, que nem os graves impactos sociais, e muito menos os ambientais, podem obstruir a implementação do atual - injusto e desequilibrado - modelo de desenvolvimento. Obviamente, admitir que as barragens produzem energia suja e contribuem significativamente nas emissões (20% no caso do Brasil segundo o INPE) seria um tiro no pé, no momento que o país quer mostrar liderança mundial no combate ao aquecimento global e, assim, atrair investimentos “verdes” dos países do norte.

Mercado de carbono

A oportunidade de lucro é outro elemento que pode ajudar a explicar essa disputa dos fatos científicos. Com o argumento que as hidrelétricas produzem energia limpa, as barragens podem ser registradas como projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) estabelecido no Protocolo de Kyoto, e assim vender créditos de carbono no mercado mundial. Esse mercado que hoje vale mais de U$ 100 bilhões, cresceu cerca de 1000% desde 2005 e deve atingir pelo menos U$ 1 trilhão até 2014. No Brasil existem 83 projetos hidrelétricos em avaliação ou inseridos no MDL, gerando mais de U$ 60 milhões/ano para os donos dos empreendimentos. O futuro só pode ser melhor para eles se nada mudar. As duas barragens do rio Madeira, por exemplo, se forem inseridas no MDL, vão gerar U$ 100 milhões/ano, além dos R$ 8,2 bilhões/ano de lucro esperado com a geração, transmissão e distribuição de energia. E para variar, estima-se que entre um a dois terços dos projetos no mundo que hoje são inseridos no MDL, não cumprem as exigências estabelecidas, ou seja, existem fraudes na avaliação dos projetos e de fato não ajudam a diminuir o efeito estufa.

Crise mundial

A atual crise econômica que veio complementar a crise energética e alimentar foi fruto da atitude descontrolada dos mercados financeiros, mas quem pagou e paga a conta são os milhões de novas pessoas famintas e desempregadas no mundo. Para agravar ainda mais a situação, os governos desembolsaram U$ 12 trilhões de dinheiro publico, segundo o Fundo Monetário Internacional, para salvar o sistema financeiro - com sucesso extremamente duvidoso. Os mercados não poderiam ter a solução para a crise financeira que eles produziram e com a crise climática não é muito diferente. A conferência do clima em Copenhagen tem a oportunidade de desvincular o combate ao aquecimento global dos mecanismos de mercado. Ambientalistas, movimentos sociais e cientistas dizem que esse é o único caminho para um desenvolvimento sustentável e minimamente honesto. Tanto honesto, para não poder fingir que a hidroeletricidade é limpa só porque ninguém vê chaminés nos murros das barragens.

Kostis Damianakis é doutor em Microbiologia Ambiental pela Universidade de Essex na Inglaterra.

Nenhum comentário: