sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Honduras: A vitória do ‘Smart Power’

Abaixo, trecho de um ótimo artigo sobre a atuação dos EUA no caso Honduras (a íntegra pode ser lida aqui).

Recomendo aos que comemoraram o acordo fechado entre Zelaya e Micheletti e aos que ainda mantêm ilusões em relação ao Obama.

Honduras: A vitória do ‘Smart Power’

Eva Golinger *

Adital -

Henry Kissinger disse que a diplomacia é "a arte de refrear o poder". Como é óbvio, o mais influente ideólogo da política externa dos EUA no século XX referia-se à necessidade de "refrear o poder" dos outros países e governos de forma a manter a dominação mundial estadunidense. Presidentes ao estilo de George W. Bush empregaram o 'Hard Power' [Poder Duro] para atingir este objetivo: armas, bombas, ameaças e invasões militares. Outros, como Bill Clinton, utilizaram o 'Soft Power' [Poder Suave]: guerra cultural, Hollywood, ideais, diplomacia, autoridade moral e campanhas para chegar "à razão e ao sentimento" das populações civis das nações inimigas. A administração Obama optou por uma mutação destes dois conceitos, combinando o poder militar com a diplomacia, a influência econômica e política com a invasão cultural e manobras legais. Denominam isto de 'Smart Power' [Poder Inteligente]. A sua primeira aplicação trata-se do golpe de Estado nas Honduras, onde, até hoje, funcionou na perfeição.

Durante a sua audição de confirmação perante o Senado, a secretária de Estado Hillary Clinton assinalou que "deveríamos utilizar o que foi apelidado de 'smart power', isto é, todo o conjunto de ferramentas à nossa disposição - diplomáticas, econômicas, militares, políticas, legais e culturais -, escolhendo a ferramenta ou combinação de ferramentas correta para cada situação. Com o 'smart power' a diplomacia será a vanguarda da nossa política externa". Clinton mais tarde reforçou este conceito afirmando que "a opção mais sábia é primeiro utilizar a persuasão".

O que há de inteligente neste conceito? Trata-se de uma forma política difícil de classificar, difícil de detectar e difícil de desconstruir. Honduras é um exemplo claro. Por um lado, o presidente Obama condenou o golpe contra o presidente Zelaya enquanto o embaixador estadunidense em Tegucigalpa mantinha encontros regulares com os líderes golpistas. A secretária de Estado Clinton repetiu vezes sem conta que Washington não desejava "influenciar" a situação em Honduras - que os hondurenhos necessitavam resolver a sua crise sem interferência externa. Mas foi Washington que impôs o processo de mediação "conduzido" pelo presidente Óscar Arias da Costa Rica; e foi Washington que continuou a financiar o regime golpista e os seus partidários via USAID [NT1]; e foi Washington que controlou e comandou as forças armadas hondurenhas, envolvidas na repressão do povo e na imposição de um regime brutal, através da sua maciça presença militar na base de Soto Cano (Palmerola).

Também foram 'lobbies' [grupos de pressão] que escreveram o "acordo" de San José [NT2] e, no fim, foi a delegação de alto nível do Departamento de Estado e da Casa Branca que "persuadiu" os hondurenhos a aceitar o acordo. Apesar da constante interferência estadunidense no golpe de Estado em Honduras - financiando, planejando e apoiando política e militarmente -, a abordagem 'smart power' de Washington foi capaz de manipular a opinião pública e tornar o duo Obama/Clinton os grandes promotores do "multilateralismo".

O que o 'smart power' conseguiu foi disfarçar o unilateralismo estadunidense em multilateralismo. Desde o primeiro dia, Washington impôs a sua agenda. No dia 1 de Julho, porta-vozes do Departamento de Estado admitiram numa conferência de imprensa que tinham conhecimento prévio do golpe nas Honduras. Também admitiram que dois responsáveis de alto nível do Departamento de Estado, Thomas Shannon e James Steinberg, haviam estado em Honduras na semana anterior ao golpe em encontros com grupos militares e civis nele envolvidos. Afirmaram que o seu objetivo era "impedir o golpe", mas então, como podem explicar que o avião utilizado no exílio forçado do presidente Zelaya tenha decolado da base militar de Soto Cano na presença de oficiais militares estadunidenses?

Os fatos demonstram a verdade acerca do envolvimento de Washington no golpe em Honduras, e a subsequente experiência de 'smart power' com êxito. Washington soube do golpe antes dele ocorrer, contudo continuou a financiar os envolvidos através da USAID e do NED [NT3]. O Pentágono auxiliou no exílio forçado do presidente Zelaya e, mais tarde, a administração Obama utilizou a Organização de Estados Americanos (OEA) - numa altura em que se encontrava à beira da extinção - como uma fachada para impor a sua agenda. O discurso do Departamento do Estado legitimou sempre os golpistas, apelando a "ambas as partes para resolverem a disputa política pacificamente, através do diálogo". Desde quando é que um usurpador ilegal do poder é considerado uma "parte legítima" capaz de dialogar? É óbvio que um agente criminoso que toma o poder pela força não está interessado em dialogar. Segundo esta lógica, o mundo devia solicitar à administração de Obama que "resolvesse a sua disputa política com a Al-Qaeda pacificamente, através do diálogo e não da guerra". (leia a íntegra aqui)

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