Brasil de Fato, edição 283 (de 31 de julho a 6 de agosto de 2008)
Com uma série de atividades, Bolívia comemora, em 2008, o Ano Internacional da Batata; tubérculo teve origem nas margens do Lago Titicaca
Igor Ojeda
Correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia)
Alguns poucos dias na Bolívia são suficientes para qualquer um notar uma de suas principais peculiaridades gastronômicas: a importância da batata na alimentação local. São raros os almoços em que este tubérculo não seja um dos componentes do prato principal no dia-a-dia dos bolivianos.
Claro que, em tempos de globalização neoliberal e da cultura fast food, sua versão frita já é a dominante nas refeições. Mesmo assim, talvez como em poucos lugares do mundo, é na Bolívia onde se pode deparar com uma imensa variedade – de tamanho, consistência e cor – do alimento. No país andino, existem cerca de mil espécies.
Nas feiras, mercados de rua, ou até mesmo nas redes de supermercados, é possível perceber isso rapidamente. Chuño e tunta, por exemplo, não são outra coisa que denominações para a batata que conhecemos no Brasil, só que cultivada de uma maneira diferente e/ou em ecorregiões distintas.
Por isso, quando, em outubro de 2007, o Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), declarou 2008 como o Ano Internacional da Batata, diversas organizações e instituições do governo boliviano passaram a pensar e organizar diversas atividades para celebrar o alimento.
Origens
Feiras de produção, exposições de fotos, pinturas, lançamentos de selos comemorativos, iniciativas com vistas a melhorar a produção, investigações... Eventos que buscam ressaltar a importância da batata (ou papa, como ela é chamada na América de língua espanhola) como produto alimentício e a necessidade de valorizar a sua biodiversidade genética. Além de ela formar a base alimentícia da população da Bolívia, pesa decisivamente o fato de muitos arqueólogos atribuírem sua origem, há oito mil anos, nas margens do místico Lago Titicaca (a 3.800 metros de altitude), que o país compartilha com o Peru.
“A informação que temos é que seu cultivo teve início na região do lago, mais ou menos entre Santiago de Huata e Puno. Mas é um pouco equivocado dizer que surgiu aqui ou ali porque, quando se planta, depois de cinco anos é preciso renovar as sementes, e isso imediatamente cria relações sociais, a troca de sementes com outras comunidades. Então, depois que uma comunidade começa, todas as outras em volta passam a fazer esses intercâmbios”, explica a antropóloga inglesa Denise Arnold, do Instituto de Língua e Cultura Aymara (ILCA).
Difusão
Ela conta que há registros iconográficos na região sobre a batata em culturas pré-incas, como a de Chiripa, e que o tubérculo possuía muita importância durante a civilização de Tiwanaku (1500 A.C. – 1200 D.C.), cuja capital estava localizada nas margens do Titicaca. “Antes da queda de Tiwanaku, houve uma crise ecológica e, nesse momento, eles tentaram desenvolver uma produção estatal de batata para manter o controle do Estado sobre o Império e para sustentar suas cerimônias e manter todos trabalhando com eles”, elucida Denise, que lembra, ainda, que para os incas, a produção de batata, e especialmente de chuño, também era vital. “Era uma obrigação de todos os súditos proverem o exército”.
Do Lago Titicaca, o cultivo da batata se difundiu para outras partes da América. “O Império Incaico estendeu seu cultivo em várias regiões do continente sul-americano, e depois os espanhóis tiveram um papel fundamental na disseminação deste tubérculo na Europa e de ali para outros continentes. Atualmente, o cultivo de batata é o terceiro do mundo”, explica Jorge Blajos, gerente de investimentos e finanças da Fundação Proinpa (Promoção e Investigação de Produtos Andinos). Hoje, os principais produtores do tubérculo são a China, a Rússia, a Índia e os Estados Unidos.
Segundo Blajos, a constatação de que ele é a base alimentar dos povos andinos fica facilmente evidenciada pela média de consumo. Anualmente, cada habitante da região ingere 60kg do alimento. Na zona rural, tal número se eleva até os 100kg. “A batata não deve ser entendida como um alimento mais, uma vez que a grande biodiversidade que ela alberga representa, também, cultura e segurança e soberania alimentares”, diz.
Rituais de cultivo
Tamanho significado inclui os rituais cerimoniosos no seu cultivo, relacionados, especialmente, com a fecundidade da terra. De acordo com Denise, a batata, nesse aspecto, possuia, entre os povos pré-invasão espanhola, o mesmo prestígio que o milho, tido por alguns estudiosos como o alimento mais importante, por exemplo, entre os incas. Até hoje, lembra, tais ritos ainda são seguidos.
Estima-se que, apenas em solo boliviano, mais de 280 mil famílias estão envolvidas diretamente na produção do tubérculo – indiretamente, supera as 350 mil. Um número bem significativo se comparado com o total da população do país (cerca de 9 milhões de pessoas).
“Na Bolívia, a batata é o principal produto agrícola da zona andina, com uma área cultivada de 130 mil hectares. Sua produção e comercialização é a principal fonte de ingressos para milhares de pequenos agricultores”, salienta Bajos, do Proinpa. A existência de uma enorme variedade do tubérculo explica-se, segundo Denise, a fatores como a combinação do esforço do ser humano – que, com o cruzamento de espécies, prevenia-se de perdas das produções – e cultivos em diferentes micro-climas.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
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2 comentários:
obrigada vc me ajudou muito... :)
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