A situação é cada vez mais preocupante na Venezuela. O presidente Hugo Chávez, em mais um de seus delírios ditatoriais, decidiu impor uma nova norma de radiofusão: quem não transmitisse seus discursos, teria sua licença de transmissão cassada. A RCTV, aquele canal de TV aberta fechado por Chávez em 2007 e que passou a funcionar apenas por cabo e pela internet, se recusou a antender legislação tão arbitrária. Resultado: o governo a fechou mais uma vez, outra mostra clara de que Hugo Chávez não passa de um louco e de que a Venezuela vive sob uma ditadura. Certo?
Errado.
Ué, mas é justamente isso que está saindo em todos os jornais, revistas e TVs do Brasil!
Pois é. Triste de nós, os leitores e espectadores brasileiros.
Chega a ser cansativo falar uma e outra e outra vez sobre a manipulação nos meios de comunicação do Brasil, especialmente quando a "pauta" é Venezuela e seu presidente. Mas não tem jeito, é uma espécie de dever cívico tentar romper o senso comum alimentado por estes veículos. Então, vamos aos fatos?
Em primeiro lugar, a nova normativa de radiofusão não foi imposta por Chávez (o que os meios querem nos fazer acreditar para colar nele a pecha de ditador). Foi uma determinação governamental para que as emissoras de TV a cabo nacionais passassem a obedecer a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão (Resorte), aprovada em 2004 pelo Congresso (e não pelo Chávez, o ditador).
Em segundo lugar, tal lei não obriga as emissoras a transmitirem os "discursos de Chávez" (o que os meios querem nos fazer acreditar para colar nele a pecha de ditador). Obriga, sim, a transmitirem as mensagens e discursos que o Executivo nacional ache necessário, assim como mensagens culturais, educativas, informativas ou preventivas de serviços públicos selecionadas pelo governo (estas não podem superar os quinze minutos por dia).
Ora, é óbvio que dentre desses discursos e pronunciamente, também existirão os do presidente, assim como acontece em qualquer país "democrático" do mundo (ao contrário do que os meios querem nos fazer acreditar, para colar no Chávez a pecha de ditador). Isso é exclusividade da "ditadura" venezuelana?
Em terceiro lugar, o governo interrompeu o sinal da RCTV simplesmente porque ela não cumpria as novas regras. As outras seis emissoras que sofreram a mesma sanção já reconheceram estar fora da legalidade, apresentaram os documentos requeridos e prometeram se adequar à nova norma: tiveram seus sinais restabelecidos. Ou seja, é só a RCTV fazer o mesmo.
Agora, feitos tais esclarecimentos, resta debater duas questões fundamentais: uma de ordem jornalística, outra de ordem ideológica, embora as duas estejam fortemente vinculadas.
Primeira: será que os jornalistas da grande imprensa mundial, de maneira geral, e brasileira, em especial, não sabiam ou não souberam pesquisar o que era exatamente essa normativa do governo venezuelano? Será que não conseguiram descobrir que ela se baseava numa lei aprovada pelo Congresso em 2004?
Será que não foram atrás do que diz a lei para constatarem que ela não obrigava ninguém a transmitir "os discursos de Chávez"? Será que esses jornalistas não sabem que a transmissão oficial em TVs privadas ou sua regulação pelo Estado e pela sociedade são mais do que normais nos países desenvolvidos?
Será que não descobriram que a não renovação ou inclusive a cassação da licença de uma emissora é prática amplamente corrente em vários países do mundo, como explica o jornalista chileno Ernesto Carmona nos últimos seis parágrafos deste artigo?
Sim, sabiam. Se não sabiam, simplesmente não procuraram saber. E isso me leva à segunda questão fundamental: qual o interesse dos meios de comunicação brasileiros em "denunciar" os "seguidos atentados à liberdade de expressão cometidos pelo governo Chávez"? Sentido de dever público?
Bem, para responder a essa pergunta, é preciso, primeiro, discutir o que se entende por liberdade de expressão e como tem sido a política de Chávez nesse tema.
Liberdade de expressão é o direito que cada um (isso, qualquer pessoa, independente de raça, gênero, orientação sexual, religião, time de futebol etc etc) tem de transmitir suas ideias, opiniões etc. Mas o que acontece, por exemplo, nos países da América (especialmente nos EUA)? Tal liberdade só é plenamente exercida por uma minúscula, micro, minoria.
No Brasil, 11 famílias praticamente controlam todas as rádios, TVs e jornais de todo o país. Que direito realmente têm as outras 40 ou 50 milhões de famílias brasileiras de se expressarem como bem quiserem atingindo de fato um número considerável de pessoas? Virtualmente nenhum.
Ou seja, apenas 11 famílias exercem de fato a liberdade de expressão no Brasil. E são as únicas responsáveis pela formação das opiniões, valores e imaginários de toda a população. Em resumo, apenas sua ideologia (liberal-burguesa, já que elas fazem parte da elite econômica brasileira) é transmitida livremente. O pior, no caso das TVs e rádios, é que essas se utilizam de um bem público (o espaço radioelétrico) para usufruirem desse direito exclusivo (os jornais também, já que são sustentados por publicidade oficial).
Portanto, o que a grande mídia defende não é a liberdade de expressão, e sim o seu monopólio da expressão.
Diante desse quadro, o que um governo minimamente sério deveria fazer? Democratizar a comunicação: permitir que outros grupos sociais (e não apenas uma minoria) tenham a possibilidade de expressar suas ideologias e valores.
Ou seja, independentemente da desobediência ou não de algum aspecto legal por parte de uma grande emissora, a transferência de sua concessão para outro grupo social que seja mais representativo da sociedade implica em ampliação da liberdade da expressão, e não sua restrição.
E o que vem acontecendo na Venezuela? Além da não renovação da concessão pública da RCTV em 2007 (baseada em infrações graves à legislação de comunicação de qualquer país "democrático" do mundo, como o apoio aberto e ativo a um golpe de Estado), e da tentativa permanente de se quebrar esse monopólio midiático, o governo Chávez estimulou e estimula o surgimento e o fortalecimento de inúmeras iniciativas de comunicação popular, como jornais, rádios e canais de televisão comunitários, além de redirecionar uma parte da publicidade oficial para meios independentes e alternativos.
Ou seja, na Venezuela, nunca houve tanta liberdade de expressão. E é isso o que os meios de comunicação brasileiros mais temem que aconteça por aqui.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
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