Brasil de Fato, edição 256 (de 24 a 30 de janeiro de 2008)
Oito bate-papos aleatórios na capital boliviana, sobre a vida e o presidente Evo Morales, que completou dois anos de governo no dia 22 de janeiro
Igor Ojeda
de La Paz (Bolívia)
No banco da praça, entre 55 e 60 anos
- O senhor tem horas?
- Vinte para às onze.
- Obrigado. Mora por aqui?
- Não.
- Trabalha?
- Não. Tenho uns trâmites para fazer por aqui.
- Entendi. Onde o senhor mora?
- Em El Alto.
- Legal. E o que o senhor está achando do presidente Evo Morales até agora?
- Tá mais ou menos, né?
- Mais ou menos?
- É.
- Acha que poderia estar melhor?
- Acho. Mas acredito que ainda vai melhorar.
- Que bom.
- Tem muita coisa que é difícil, porque não o deixam fazer as coisas.
- É verdade.
- Mas vai melhorar. Ele tem muito apoio na classe média e nas classes populares.
- Sim. Em El Alto ele tem bastante apoio, né?
- Ah sim, todos os alteños o apóiam.
- Uma das grandes brigas da oposição é sobre a Renda Dignidade [bolsa financiada, em parte, com recursos do gás destinados anteriormente para os governos departamentais] para os idosos, né?
- Sim, porque mexe no IDH [Imposto Direto sobre os Hidrocarbonetos].
- E o senhor acha que essa renda é boa?
- É sim. O presidente foi inteligente em favorecer os idosos. Não tinham feito isso antes.
- Vai melhorar a vida deles, né?
- Vai melhorar sim.
Engraxate, cerca de 15 anos
- Trabalha há muito tempo com isso?
- Uns quatro anos.
- Mas não dá para viver com o que você ganha, dá?
- Só às vezes.
- Quanto ganha por dia, mais ou menos?
- Uns 15 pesos [R$ 4, aproximadamente]
- E a vida, tá melhorando com o Evo?
- Tá sim.
- Ele tá indo bem?
- Tá indo bem sim.
- Que bom. Por que vocês cobrem o rosto?
- Por causa do cheiro do creme de engraxar.
- Ah, é por isso então?
- É sim. E por causa do frio também.
- Entendi.
(Outros engraxates sentam do lado. Eles conversam em aymara)
- Estão falando em aymara?
- Sim, estamos. Entende?
- Não entendo nada.
- Eu falo francês (Dá risada)
- Vocês aprendem aymara desde pequenos?
- Sim. Há quanto tempo está em La Paz?
- Três meses.
- E o que está achando?
- Estou gostando bastante. E vocês, são daqui?
- Claro, somos paceños de coração.
- E onde moram?
- Dormimos logo ali mesmo.
Faxineira, entre 20 e 25 anos
- Você vive por aqui?
- Sim, vivo sim.
- Legal. Uma curiosidade: o que você acha do governo Evo até agora?
- Uns dizem que vai mal. Outros, que vai bem.
- Mas e você, o que acha?
- Tá mais ou menos.
- Mas o que falta?
- Acho que falta um pouco de entendimento para ele.
- Como assim, você acha que ele não está preparado?
- Isso. Mas aos poucos ele está se preparando.
- Ah, então ainda vai melhorar.
- Sim, vai melhorar sim.
- Mas também é difícil para ele fazer algumas coisas. A oposição não o deixa trabalhar, né?
- Sim, tem isso também. Ele precisa de apoio.
- Sim. Tá dividido, mas a maioria o apóia, não?
- Sim.
- Você não acha que a situação pode melhorar com a nova Constituição?
- Sim, vai sim.
- Você a conhece?
- Um pouco só.
- Você trabalha com o quê?
- Numa micro-empresa.
- Fazendo o quê?
- Limpeza, essas coisas.
- Ah tá. Mas e a vida com o Evo, não mudou nada?
- Mudou um pouco sim.
- O que, por exemplo¿ Dinheiro?
- Sim, um pouco mais de dinheiro. Ele está fazendo alguma coisa, o que os outros presidentes não fizeram.
- O que, por exemplo?
- Por exemplo, antes havia muita gente que não sabia ler nem escrever. Agora sabe.
- Ah, que bom. Que mais?
- Também poucas pessoas não tinham documento de identidade. O Evo fez uma campanha de legalização gratuita.
- Que bom.
Vendedora de barraquinha de sanduíches de lingüiça, aproximadamente 60 anos
- A barraquinha é sua?
- Não, não. Eu só atendo.
- Ah, tá. E dá para viver com o que a senhora ganha?
- Mais ou menos. Nem sempre.
- E a vida com o Evo, melhorou?
- Está pior.
- É mesmo? Por quê?
- Antes havia dinheiro circulante, havia grana. Hoje não tem mais.
- Mas por que a senhora acha que está assim? É um governo ruim?
- Não sei, não sei. Mas está pior. Não tem trabalho, as pessoas estão indo para o exterior...
- Antes não iam?
- Não.
- Mas a senhora não acha que pode melhorar?
- Tomara. Tomara que sim.
- Mas a senhora acha que vai?
- Não sei, vamos ver. Há quanto tempo você está morando aqui?
- Três meses.
- Ah é? E gosta do Evo?
- Gosto... algumas coisas não. Por um lado, acho que a oposição o atrapalha bastante.
- Ah sim, tem isso sim. Mas vai melhorar, vai sim.
Dono de barbearia, cerca de 45 anos
- A barbearia é sua?
- Sim, é.
- Faz muito tempo?
- Sim, faz um tempinho já.
- Legal. E como está a vida com o Evo?
- Acho que as mudanças ainda vão demorar para vir.
- Por quê?
- Porque as mudanças não são feitas da noite para o dia.
- Mas o que falta?
- Acho que falta a nova Constituição Política do Estado ser aprovada.
- Com ela, acha que vêm as mudanças?
- Acho que podem vir.
- Mas o Evo até agora não fez nada?
- Fez um pouco. O que mais diz respeito aos bolivianos é emprego, trabalho.
- E até agora não se criou emprego?
- Não. Mas está começando. Por exemplo, na empresa Mutum [mineradora]. Por enquanto, só tem empregos administrativos, mas daqui a pouco vai gerar bastante emprego de mineradores, pedreiros...
- Ah, entendi.
- E tem a mineradora ao sul de Potosí, onde está sendo investido muito dinheiro.
- Então, pouco a pouco vai criando emprego...
- Sim. Os governos anteriores endividavam o país. A dívida é de dois bilhões de dólares. Mas, agora, o Banco Central tem cinco bilhões de dólares. Então, hoje existe dinheiro para pagar a dívida.
- Entendi.
- Mas há também os que não querem as mudanças.
- Os de Santa Cruz, por exemplo?
- Exato.
Universitária, entre 20 e 25 anos
- Estuda aqui?
- Estudo.
- Que curso?
- Serviço social.
- Ah, legal. E o que vocês pensam do Evo?
- Ele está fazendo o que pode... Pelo menos faz bem mais que os governos anteriores.
- Entendi. O que, por exemplo?
- Ele nacionalizou os hidrocarbonetos, recuperou os recursos que os outros presidentes tinham vendido.
- Sei. Mas falta ainda muito o que fazer, né?
- Falta.
- Mas por que há coisas que ele não pode fazer?
- Ele está tentando fazer o que pode.
Dona de carrinho de suco de laranja em Huyustus, maior mercado de rua de La Paz: entre 45 e 50 anos
- Hoje tá menos cheio do que outros dias, né?
- É sim, hoje está tranqüilo.
- A senhora trabalha há muito tempo por aqui?
- Sim, faz tempo.
- E o que vocês estão achando do Evo?
- Não está bom não. Só a agricultura, para cá não.
- Ah é?
- Estamos exportando frutas para o Brasil, para a Espanha, mas para a gente não tem.
- Entendi.
- Abacaxi, por exemplo, deste tamanho [faz o gesto com as mãos], estão exportando para o Brasil, para a Espanha. Para nós é caro.
- O Evo não está fazendo nada para a cidade?
- Não, só para os povoados.
- Só para a área rural, é isso?
- Isso. Você é de onde?
- Do Brasil.
- Ah é?
- Sim, mas estou morando aqui em La Paz.
- Tem bastante boliviano no Brasil, né?
- Tem sim. Na minha cidade, São Paulo, tem muitos.
- E o que tem para os bolivianos fazerem lá?
- A maioria trabalha na fabricação de tecidos.
- Ah, fazem roupa, né?
- Isso. É muito duro. Trabalham 12, 14 horas, quase não ganham nada. São muito explorados.
- Sei. Não tem mais nada para os bolivianos fazerem lá?
- É difícil. Às vezes trabalham como pedreiros, como comerciantes de rua também...
- Ah tá.
- E para os comerciantes de rua daqui, o Evo não fez nada?
- O prefeito que está fazendo.
- Ah é?
- Sim, está construindo mercados.
- Entendi. Sem ser isso, é difícil conseguir trabalho, né?
- É, não tem...
- Mas a senhora não acha que vai melhorar no próximo ano? Com a nova Constituição?
- É, o Evo está há só dois anos. É pouco. Vai fazer as coisas ainda. Quanto de dinheiro é preciso para ir para o Brasil?
- Hum... não sei. Bastante, porque tem o ônibus e um dinheiro para ficar lá até conseguir trabalho, né?
- É verdade.
- Mas a maioria dos bolivianos fora está na Argentina, não é mesmo?
- É sim, tem bastante.
- Eles mandam muito dinheiro para cá, né, para suas famílias?
- Mandam. É que a Argentina aceita sem exigir nada.
- Ah é?
- É. Só precisa do documento de identidade, não precisa de passaporte.
- Ah tá.
- Antes pediam passaporte, agora não mais.
Engraxate, 13 anos
- Quer que lustre?
- Não, obrigado.
- Lendo jornal?
- Sim.
- O que está acontecendo hoje?
- Nada demais. Pouca novidade.
- Chovendo muito, né?
- Sim, mas pelo menos agora parou.
- É.
- Vai e volta.
- De que país você é?
- Brasil, mas moro aqui.
- Ah tá.
- Eu gosto bastante da Bolívia.
- É linda, não?
- É sim. Você também gosta?
- Gosto sim. O Brasil é maior que a Bolívia, né?
- Sim, bem maior.
- A Bolívia perdeu muito.
- Terras?
- É, territórios.
- É verdade, perdeu para vários países, né?
- É.
- Você mora por aqui?
- Sim, moro. E você?
- Em Sopocachi.
- Ah, para cima.
- É. (Bocejo)
- Tá com sono?
- Estou sim. Você não?
- Não, eu tenho é fome.
- É?
- Você não quer ser o padrinho de um refrigerante? É que ainda não almocei. [Era por volta das 17h30]
- (Pego 10 bolivianos, cerca de R$ 3) Aqui está.
- Muito obrigado.
- De nada. Você trabalha há muito tempo?
- Quatro anos.
- Quantos anos você tem?
- 13.
- Sei. E como está o Evo?
- Bem.
- Ele é bom?
- É sim.
- Por quê? O que ele está fazendo?
- Está doando... está proporcionando dinheiro para a Bolívia.
- Ah, é?
- É. Antes não era assim.
- Como era?
- Antes não faziam nada, só roubavam.
- O Evo não rouba não, né?
- Não. Ele está usando o dinheiro para mudar o país.
- Você acha que ele faz as coisas para os mais necessitados?
- Acho sim.
- A vida vai melhorar para todos, então?
- Vai sim.
- Que bom. Tomara. Você está na escola?
- Estou.
- Legal. E o que você quer ser quando crescer?
- Doutor.
- Médico?
- Isso.
- Que legal. E por que você quer ser doutor?
- Para salvar vidas.
segunda-feira, 30 de junho de 2008
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